ANTIPOESIA

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quarta-feira, 14 de abril de 2021

ZEN AO CREPÚSCULO

 



***



      quem sou eu

      e tu quem és


      há algo que seja teu

      há algo que seja meu


      busquei o que é puro por si

      que por si cintila

      luminosidade clara e pura

      aqui e em toda a parte


      libertando-se da vida e da morte

      os sábios não temem o fenecimento 

      são tantas as vezes que já morreram

      para o ego ensoberbecido

      para a glória e para a vaidade

      para o mau destino e para a sorte

      para os grilhões que os aprisionam


não há nada que possa ser considerado como complexo no caminho


      libertação de tudo o que existe       

      opinião      condição e situação

      do eu que gera o eu

      tombando no vazio da mente

      sem pensamento

      para aí encontrar a verdade

      sendo como o espelho

      que retém e não reflecte


         não escolher          sem amor e sem ódio

         nem sujeito           nem objecto

         nem interior          nem exterior

         nem certo             nem errado


      se não preferir seja o que for

      serão poucas as

      pedras de tropeço no caminho


amor e ódio

toldam a visão

do iniciado


         uma mente vazia no infinito – 

         a cada sentido a sua função

         sem que se deixe afogar na ilusão


   que eu corte a raiz dos desejos e apegos

   sejam quais forem minhas faltas e meus pecados

   possam desaparecer como a névoa matinal

   que em surdina desce sobre os povoados

 


penso logo existo            diz-se

e se eu não pensar

se existir no vazio claro      puro e luminoso do meu coração

descendo directamente ao seu lugar mais profundo

abrindo-o à verdadeira realidade


se o fizer penetro a minha natureza

se nela perseverar libertar-me-ei do nascimento e da morte

         eu        eu que nunca nasci

         eu        eu que nunca hei-de morrer

         que vivo sofrendo sem sofrer



sentado morre        de pé morre        morre deitado

      não morre

      o que nunca nasceu

      nem nunca há-de morrer


   jesus disse

   eu sou o caminho        a verdade e a vida

   caminho correcto         verdade e vida correctas


deixa que a tua vida flua             esse o caminho correcto

faz o que tens de fazer        expurga a mente do pensamento e verás a verdade        age com amor e compaixão e terás uma vida justa


se não pensares tudo será verdade


      quando tiveres fome come

      quando tiveres sede bebe

      quando tiveres sono dorme

      quando encontrares alguém no teu caminho

      pergunta                como estás


quando comeres      beberes ou repousares

cumprimentares seja quem for 

limita-te a fazê-lo      nada mais para além disso


come e sabe que comes

bebe e sabe que bebes

repousa e sabe que repousas

saúda e sabe que saúdas


      quando o cansaço te invadir vai para o teu quarto

      dorme profundamente

      a iluminação também se atinge a dormir



            afinal o que é que se move

            o vento ou o canavial à beira-mar 

            

            nem o vento nem os caniços


            é a mente quem se move


            o vento e o canavial são a mesma coisa

            o vento não é o canavial nem o canavial o vento

            o vento e o canavial não são a mesma coisa


   dos olhos da estátua de pedra do jardim

   brotam lágrimas

   o leão de porcelana ruge


o oceano é uma imensidão de água

existem tantas nuvens no céu        grandes        pequenas

negras        cinzentas        e tantas as suas formas

quantos são os meus cabelos

de onde nasceram o sol        os planetas        estrelas        meteoros e tantos outros objectos

e os buracos negros

a matéria escura

galáxias nascentes e galáxias que morrem

habitantes de mundos desconhecidos        mistérios apetecidos

e as criaturas desta terra       


      a mente tudo criou

      sem pensamento

      que nomes podemos

      atribuir às coisas

            experimenta por ti


            usa um arco sem flecha

            aponta-o e abate a tua presa

                  como é possível


      senta-te de frente para uma parede

      deita-te e adormece dentro do coração

      esquece os ensinamentos

      sacrifícios        a tradição

      para que possas obter a iluminação


      quando comes com que mente comes

      a passada      a presente       a futura

      nenhuma delas te conduz à libertação


   o silêncio é melhor do que a santidade

   a acção melhor que o ensinamento

   palavras      palavras      palavras      certo e errado

   bom e mau        monge e ladrão

         não quero palavras

         quero compaixão


um tronco apodrecendo sobre o granito frio no rigor do inverno

é um falso santo        um habitante do inferno

nunca será um liberto


      quando a mente aparece tudo aparece

      se desaparece tudo desaparece

      quando está luminosa tudo é iluminado

      quando apagada tudo são trevas


que nome e forma não deixem marcas      imagens

não faças nada ou faças o que fizeres

que embora pareça ser       seja nada


quando beberes chá que seja chá

quando beberes água que seja água

quando comeres arroz que seja arroz


      não havendo mente

      não haverá chá      água      arroz



         o vento de primavera é florido

         o vento do verão é tórrido

         o do outono traz folhas mortas

         o do inverno traz a neve


sem palavras o vento é teu



   o que é a verdade

   a resposta está nos passos que deste


   lavaste o teu corpo na montanha do diamante


   como poderás lavar a tua mente


   mantêm-na pura e luminosa


   se ainda tiveres mente limpa-a

   se não tiveres liberta-te dela definitivamente


         ver simplesmente

         ouvir simplesmente

         cheirar simplesmente

         é melhor do que o sutra do diamante


         faz o que estás a fazer

         limpa o pó do espelho

         abre a janela

         deixa entrar o orvalho


         do espelho límpido

         originalmente nada

         onde está o pó

         como limpar o que é claro


   não te prendas a nada que venha da mente

   eu          meu          tu          teu          ele



   a impermanência             tudo aparece e desaparece

   quando há imobilidade há felicidade

   este corpo não pode atingir a beatitude

   nasce e morre            na aparência surge

   e pela aparência deserta



          o vazio do coração é como a natureza

          é a natureza de tudo o que existe

          nada ouve      diz ou sente

          não fazendo nada é feliz

          senta-se e esquece

          como o velho monge


      vê        ouve        cala

      está tudo fora da tua mente

      conhece o impermanente

      não faças nada

      sê o não-ser


   como gotami escreveu

   não é lei de aldeia ou cidade

   nem lei de uma única morada

   é a lei do mundo que faz

   com que todas as coisas sejam impermanentes


         estás sujeito ao nascimento

         à velhice e à doença

         ao sofrimento e à morte


         procura o não-nascimento

         a não-velhice e a não-doença

         o não-sofrimento e a não-morte


         sem nenhum desejo

         que se enraíze

         atingirás o nirvana

         serás uma candeia para o mundo

         e terás como prémio

         a extinção do padecimento

         fim do nascimento e da morte

 

   a forma é vazio e o vazio forma

   estranho mundo de opostos

   se sem forma e sem vazio        o nirvana



               como são tolos todos aqueles

               que julgam alcançar a salvação

               em corpos e mentes aprisionados

               aos desejos mundanos



      o universo é criado pela mente

      todas as coisas são criadas pela mente

      de onde vem a mente

pergunta à montanha      à neve      à pedra      à árvore


          o homem de pedra está a chorar

          o que é que isto significa


          as colunas do templo desabam

          o que é que isto indica


          o monge queimou o buda de madeira

          que crime cometeu


          não sei              segue o teu caminho


          cada trilho começa com um único passo

          e termina com a imobilidade 

          o que é que isto representa


          o que significa o cipreste no jardim

          olha           vê o cipreste no jardim

          entenderás



1+1+1 = 3            3+0 = 3            3x0 = 0      

estátua x 0 = 0            monge x 0 = 0

3 monges x 0 = 0 monges

3 monges x 3 monges = um


     a forma é vazio                        vazio é forma

     nem forma nem vazio

     forma é forma            vazio é vazio

     sê um espelho            apenas isso

     esquece todo o resto



   a mente desaparece        tudo desparece

   palavras desaparecem

   se falares erras               deixa tudo

   segue em frente



         no pico do abutre uma flor

         sem palavras                   sem discursos

         uma só flor

         contendo toda a verdade

                  vê e sabe


   a rosa floresce na colina

   não faz perguntas          não quer saber porquê

   não se embeleza            limita-se a existir


         buda ergueu a flor

         man gong ergueu um dedo


         flor e dedo são claros

         a flor é uma flor

         um dedo um dedo


que mais há para dizer



   o corpo morre            o não nascido permanece


        o buda

        um quilo de linho

        trampa seca num pau

        o velho cipreste do jardim


se o encontrares mata-o


      quem és

      és buda


      sem ti

      não há buda


      a estrela da iluminação do buda

      abandona tudo

      até a mente da iluminação


o verdadeiro buda é a total ausência da mente

a bandeira não se move        o vento não se move        é a mente que se move 


buda

é liberdade

verdade

e compaixão



      se tudo é impermanente

      para quê construir um templo


      alcançando a impermanência

      alcançarás o verdadeiro templo

      no recanto mais profundo

      do teu coração sagrado


      ouve com clareza

      vê com clareza

      cheira com clareza

      pensa com clareza

      para que alcances 

      a verdade do iluminado


   o que é que estás a ver

   o que é que estás a ouvir

   não é tudo tão real e claro

                    não te bastam os sentidos

                    numa mente pura


         fé        coragem e dúvida

         caminho        verdade        vida correcta

         mente única           sem tempo e espaço


         o céu da consciência iluminada

         é livre

         sem tempo e sem fim

         a iluminação está aqui

         perante ti


o círculo do zen


o eu pequeno

o eu karma

o eu nada

o eu liberdade

o eu grande


      cada um cada quarto de círculo

      desenha-o de uma só vez

      deixa tudo para trás das costas

      vê e ouve com simplicidade

      atentamente

      segue em frente

      que os teus passos sejam

      o movimento das tuas pernas


   o que é que estás a fazer

   faz o que tens a fazer

   ouve o rugido do leão de pedra


   quando nasces de onde vens

   quando morres para onde vais


   a vida é uma nuvem que aparece

   a morte uma nuvem que desaparece


   a nuvem não existe por si

   só uma coisa permanece


      deixa que os desejos se extingam

      mantém a mente límpida como o infinito


      os desejos surgem e com eles o inferno

      retiram-se e desponta o umbral do paraíso


   as estátuas têm olhos

   dos olhos brotam lágrimas de chuva

   chegaste de mãos vazias

   de mãos vazias partirás


         passa para além da vida e da morte

         se morreres

         morrerás na realidade            ou não

         se renasceres

         renascerás na realidade          ou não


      quando morreres para onde irás

      se renascerás para onde retornarás


   a morte não dá lugar ao nascimento

   a morte é uma não-morte

   permanece no teu estado natural

   tu és o não-nascido

   o espírito é vacuidade


   não há outro lugar

   para meditar


      para encontrar o paraíso

      mergulha no teu coração

      naquele compartimento

      que irradia paz

      onde está deus

      onde mais ninguém pode entrar


         nunca o abandones

         deixa-te estar



      quem nada quer de tudo é dono

      sentado no silêncio da noite

      à espera de nada


não percas a língua ao abrires a boca



   um grito de um ganso enche o céu

   é sempre azul                azul se vê

   o grito trespassa o silêncio e a quietude da montanha

   da obscuridade iridescente



      todos temos uma sombra que nos persegue

      como poderás pisar a sombra que te antecede

      poderás fugir dela

      não fujas            vê-a como quem vê

      sem mente         sem nada

      as sombras são sempre e serão sombras

      tu és a sombra    e não és


se não estiveres cativo de nada serás livre

onde estão os meus tesoiros        a minha casa        meu filho        minha mulher ou amante

sem pensamento onde está tudo o que possuo


quando a mente desaparece não há formas

ou há

há círculos      quadrados      losangos ou é tudo linear


      respondo sempre            não sei

      uma coisa eu compreendo

      entendo este não sei

      melhor é deitar-me e dormir        sem sonhos



   a verdadeira natureza não existe

   a corrente de norte arrasta a jangada para sul

   a corrente de sul arrasta-a para norte

   se não houver corrente o que é que seria carregado


   o universo não diz            eu sou o universo

   a terra não diz                 eu sou a terra

   o céu não diz                   eu sou o céu

   as coisas não dizem          nós somos as coisas

   nem outros seres

   só os homens


      guarda silêncio            não sabes quem és

      não faças nada            deixa que aconteça

      o que tiver de ser será

      tem cuidado onde pões os pés

      descobre o portal que encobre

      a única coisa que vale  



   és o fogo que arde eternamente

   nós o brilho reflectido


   não cresço sozinho

   não caminho solitário

   nem tu


   como poderei eu sem ti 

   e tu sem mim ser alguém


quando a mente desaparece eu e tu somos um


      o tudo é nada

      o nada é tudo


se eu sou nada como posso ver o tudo e o nada

sem olhos        sem ouvidos      sem nariz      sem mãos

sem mente

está tudo à minha frente


      olha através dos olhos de deus

      não há maior iluminação


      deus vazio e puro

      visto como forma

      transforma-se em substância

luz        escuridão        quietude       movimento e tempestade

   o maior dos abismos                profundo na eternidade

   oceano sem margens               sem espaço

   donde tudo se ergue                infinito

   para onde tudo flui



                era deus dentro de deus

                antes de ter os grilhões do eu

                que me aprisionam ao tempo e espaço


                voltarei a ser deus

                quando do eu me libertar


                quando a mente aparece

                perde-se a divina natureza

                quando a mente desaparece

                estarás com deus


torno-me um com o vazio            desenvencilho-me do eu

e compreendo como ninguém a liberdade e o poder de deus

de nada me vale dele falar               pregar sermões

palavras      palavras que nada valem

      saio do meu interior

      morro para mim

      não sou jamais

      nada mais faço

ele que viva dentro de mim           serei ele e ele eu

ou apenas ele que é e faz o que aparento ser e fazer


      se tiver no meu coração

      a centelha clara e pura

      o mundo continuará


essa centelha ora sonha ora está acordada


      se não vigiar nem sonhar

      se dormir profundamente

      onde está essa centelha

      senão no mesmo lugar



   não queiras nada

      não faças nada

         o universo dar-te-á tudo


olha para o chão e apanha a lua



não há outra oração do que a que te une a quem te diriges



      prossegue o teu caminho

      busca o que é puro

      o que é luminoso


      mergulha no teu coração

      respirando profundamente

      e perguntando quem és


      liberta-te da vida

      liberta-te da morte

      sê forte como a monção


      abandona o eu

      que cria o eu


      cai no vazio da mente

      sem pensamento


      encontrarás a verdade

      o que existiu desde sempre

      e nunca deixará de existir


   lembra

   que a verdade

   não está no longe

   ou na distância

   está aqui agora

   no que está perto


medita no teu coração

e a meditação apagará

de imediato todos os

os teus erros e pecados


sê como um espelho

isento da poeira do mundo

que reflecte e não segura


     não te afastes do céu e da terra


     que diferença há entre o céu e a terra


   as preferências

   levam ao desejo

   o desejo ao apego

   o apego à morte


uma mente morta em vida

é a pior das epidemias

a doença mais virulenta


      apazigua o espírito

      vê as coisas como são

      está atento ao teu coração

      aí a dúvida desaparece

      a terra da luz fica perto

      e abrem-se os portais

      da paz eterna


dá o primeiro passo no teu caminho      o primeiro passo é sempre o mais difícil 

     

perguntas-te      para onde irei

norte      sul      este      oeste               alto ou baixo

o caminho não tem direcção porque é apenas caminho

sem rumo como navio num oceano 

sem terra para aportar ou porto para repousar

é vasto e tudo contém


caminha sem caminhar

repousa sem repousar

movimenta-te sem te movimentares      a unidade está aí

onde sempre esteve      no mais profundo do teu coração

vasto como o cosmos é a suprema perfeição


não fales                 cala o teu intelecto


o que é que há fora do caminho             nada

nem tu


o caminho és tu

tu és o caminho

do tamanho do universo



***


      não tenhas preferências

      não tenhas amor e ódio


      não discrimines 

      separando o céu da terra


      não tenhas opiniões

      não estejas a favor ou contra

      o que quer que seja


      não desejes nem te apegues

      ao que está fora ou dentro


      não te prendas

      a seres      a coisas       a ti

      à sabedoria      à iluminação


      sê livre

      no que é luminosidade incandescente

      sem causa ou consequência

      sem o eu que mata


      não fales

      não penses

      e tudo conhecerás


      não julgues

      para que não te condenes


      não compares

      nem interpretes


      observa os factos

      com a clareza

      da testemunha


      abandona o gostar e o não gostar

      o preferir ou ter aversões

      compreende a essência das coisas


      sem aceitar ou rejeitar

      nada te será ocultado


      não busques a verdade

      repousa na unidade

      e tudo o que é falsidade

      ou mera ilusão

      surgirá do nada

      e a iluminação

      irá muito além

      do erro e da vacuidade


      renuncia a todo o mal

      sê forte

      não te apegues

      ao nascimento 

      e à morte


      tem compaixão

      por todos os seres sensíveis

      não detestes nem desejes

      não te preocupes

      não te lamentes


   tolos são os que pensam 

   que nada pode matar a morte


   há uma morte que vence a morte

   e essa morte é a morte do eu


      fica atento

      atenção constante


      a atenção é a vida

      no agora

      no momento


   só sabe viver sozinho

   na montanha ou na floresta

   o que está atento noite e dia


   procura o bem

   a competência e a integridade

   a sinceridade e a ausência de orgulho


   puro de palavras amáveis

   sem que mintas ou faças intrigas


   satisfeito na riqueza e na pobreza

   contente e agradecido


   tem sabedoria sem arrogância

   sem cobiça ou inveja


   humilde e austero

   deseja a felicidade para ti

   para amigos e inimigos


   que todos vivam

   na alegria e na segurança

   sem cólera ódio ou rancor

   com bondade compaixão e amor

   sem apego a quaisquer doutrinas

   sem desejos nascidos dos sentidos

   sem apegos ou condicionamentos

   com uma visão clara da realidade

   que todos atinjam a verdade


      descontrai o corpo

      movimenta-te com lentidão

      cerra os lábios e resta em silêncio

      esvazia o espírito

      não penses em nada

      ou pensa sem pensar


sem medo      desejo      apego      inveja      ódio      ilusão      tentação      dúvida      ansiedade      angústia existencial      depressão      avareza


      busca a unidade

      no teu coração

      e serás um

      com a perfeição



         o caminho é perfeito

         nada lhe falta

         nada tem em excesso


         não é fácil nem difícil

         repousa      serena-te      domina-te

         não te apegues a nada

         nem à iluminação


         sabe que não há dualidade

         mas não te deixes

         prender pela unidade


         não faças discriminações

         coisas e seres são um

         liberta-te dos grilhões

         não há nem dois nem três

         liberta-te da ilusão


   todos os seres

   têm a natureza de buda

   assim como a natureza

   do gelo é a água


   sem água não há gelo

   sem seres não há buda


      não te apresses ansioso

      quanto mais corres

      mais devagar o percorres

      e sofres


   sabe

   que as coisas dependem da mente

   e que a mente depende das coisas


   deixa que tudo seja o que é

   nada rejeites

   caminha com amor e bondade

   tranquilidade e compaixão

   ausente da paixão


   protege os outros

   e protege-te a ti


   protegendo-te a ti

   pela atenção constante

   aos outros proteges


         não persigas o passado

         não te percas no futuro


      atenção constante         aqui e agora

      dia e noite                    sempre


não tropeces na tua sombra

procura o impermanente luminoso

no âmago do teu coração


      esquece

      ganho e perda

      certo e errado


      que sejas nada

      e o nada tudo


      diz não há dualidade

      repete-o


      sabe que não há eu

      nem nada

      que não seja eu


quando os conceitos

desaparecem

não há ser e não-ser

virtude e pecado


caminha no agora

e serás libertado


***



           não há tempo a perder


                    não há amanhã

                    nem depois – 

                    só o agora existe


      a morte não se faz anunciar

      e quando se anuncia é tarde

      e pouco há para fazer


dá hoje o primeiro passo


      quem sabe se amanhã

      tu que te julgas forte

      não estarás no vale da morte


***



mestre tandzan escreveu sessenta cartas no último dia da sua vida e pediu a um noviço que as enviasse

as cartas diziam


parto deste mundo

este é o meu último aviso

tandzan

27 de julho de 1892



***


04/2021





José Maria Alves






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Final de ANTIPOESIA I

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