ANTIPOESIA

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sexta-feira, 30 de abril de 2021

NASRUDIN - O SUFI II

 



***



      uns jovens pediram ao mulá 

      que os ensinasse


      este acordou e levou-os para sua casa


      montou o jumento

      de modo contrário

      virado para a cauda

      com os estudantes atrás


      os passantes espantavam-se

      corja de doidos

      um louco de costas montado

      seguido por cortejo de idiotas


      os jovens ficaram envergonhados

      e interpelaram nasrudin

      porque é que assim vais montado

      todos nos observam e criticam


      estais mais preocupados

      com aquilo que os outros pensam

      do que com o que fazeis


      vejamos em conjunto

      se montasse de modo normal

      convosco à minha frente

      de costas para mim

      seria desrespeitoso

      se sou eu que à frente vou

      de costas para vós

      vergonhoso será

      esta é pois a única forma



***



      o mulá na feira

      queria vender uma vaca

      mas nada


      defeito do bicho

      ou da sua falta de jeito


      um amigo ofereceu-se para o ajudar

      apregoando

      vaca excelente

      prenhe

      bezerro para nascer daqui a meses


      o animal foi logo vendido

      radiante nasrudin dirigiu-se a casa

      onde se encontrava um jovem

      que pretendia desposar sua filha

      logo experimentou seu novo dote de vendedor


      estranho

      como o jovem de imediato se ausentou



***



      um homem questionou nasrudin

      quando fazes as tuas abluções no rio

      como procedes


      simples

      tiro a roupa e mergulho


      mas mesmo dentro de água

      voltas-te na direcção de meca

      não é assim


      nasrudin pestanejou

      coçou a cabeça e disse

      pode acontecer

      pode acontecer

      mas em regra

      volto-me para o local da margem

      onde depositei as roupas

      não vá algum ladrão levar-mas



***



      nasrudin disse

      caso chova

      amanhã cortarei lenha

      caso bom tempo faça

      irei lavrar


      a mulher repreendeu-o

      diga se deus quiser nasrudin


      porquê

      se uma ou outra coisa farei


      o mulá saiu com tempo bom

      e começou a lavrar

      quando logo copiosa chuvada caiu


      encaminhou-se para o bosque

      com intenção de cortar lenha

      quando um homem a cavalo

      lhe perguntou onde ficava certo povoado

      dizendo que não sabia

      empunhou um chicote o cavaleiro

      obrigando-o a indicar-lhe o caminho


      voltando a casa já de noite

      após longa jornada

      bateu à porta e a mulher perguntou

      quem é


      nasrudin se deus quiser

      respondeu



***



      nasrudin era criança

      perguntou ao pai

      porque é que o seu cabelo

      está a ficar branco


      por causa de filhos como você

      de seus actos

      e perguntas quer difíceis

      quer extravagantes


      ah percebo

      por isso os cabelos do avô

      são todos brancos



***



      nasrudin emprestou duas panelas

      o amigo homem de humor

      devolveu-lhas com uma outra panela

      bem mais pequena


      que se passa

      esta não é minha


      bem pelo contrário

      estando suas panelas à minha guarda

      por motivo de empréstimo

      nasceu delas este rebento

      que por direito é seu


      decorridos meses

      pediu nasrudin as panelas do amigo


      por não as devolver

      veio este reclamá-las


      disse o mulá

      suas panelas faleceram

      se bem se lembra

      já decidimos em tempos idos

      que panelas são mortais



***



      o mulá

      recorreu a um homem rico e poderoso

      pedindo dinheiro


      para que queres tu tal quantia


      para comprar um elefante


      se não tens dinheiro como o sustentarás


      nasrudin indignado respondeu

      vim pedir dinheiro

      dispenso o conselho

      que te não pedi



***



      um dos muitos analfabetos da aldeia

      pediu a nasrudin

      que lhe escrevesse uma carta


      não o posso fazer

      tenho um pé aleijado


      isso nada tem

      que te impeça de o fazer

      pois não mulá


      pois sim idiota

      ninguém consegue ler a minha letra

      assim vejo-me obrigado a viajar

      para me fazer entender

      como é que queres então que o faça

      com o pé neste estado



***



      nasrudin apostou com um grupo de amigos

      que suportaria uma noite inteira

      na montanha gelada e coberta de neve

      sobranceira à aldeia


      transportou consigo

      uma vela e um livro

      e foi acometido por frio terrível


      ao raiar da aurora

      lívido e depauperado

      quis receber o valor da aposta


      perguntaram-lhe os apostadores

      não tiveste nada para te aquecer


      não


      nem uma vela mulá


      tinha uma vela


      assim sendo perdeste a aposta


      nasrudin nada argumentou


      decorrido algum tempo

      convidou-os para uma ceia

      a que todos compareceram


      aguardavam na sala

      a comida que nela tardava

      e impacientes começaram a reclamar


      vejamos o que se passa     disse nasrudin

      na cozinha enorme panela cheia de água

      com uma vela acesa debaixo dela

      a água ainda estava fria


      não entendo

      não está quente

      está aí desde ontem



***



      nasrudin aconselhava sempre

      não dêem a ninguém

      a seu pedido 

      nada de mão beijada

      aguardem pelo menos

      que um dia seja passado


      porquê       alguém perguntou

      respondeu o mulá

      só damos valor às coisas

      quando desconhecemos

      se as iremos conseguir ou não



***



      nasrudin estava cansado do seu burro

      levou-o à feira da vila

      para que o leiloeiro lho vendesse

      e ficou para assistir


      o pregoeiro começou 

      agora este belo jumento

      forte musculoso

      habituado a trabalho duro e à tormenta

      de suprema inteligência e esperteza

      quem oferece cinco moedas

      por tão espantoso animal


      cinco moedas pensou o mulá

      apenas cinco moedas

      por quem muito vale

      vou licitar já


      assim o pensou assim o fez

      nasrudin licitou


      entre nasrudin e um quintaneiro

      fez-se disputa

      e a cada lance o leiloeiro

      exacerbava as virtudes do asno

      o que entusiasmava o primeiro


      afinal desconhecia do que seu era

      tanta qualidade e virtude


      com o tempo

      ofereceu quarenta moedas

      arrematando o jumento

      que apenas dez valia


      pagou a comissão de um terço ao leiloeiro

      pegou no burrico e dirigiu-se a casa

      dizendo para os seus botões

      se coisa há que não perco é um bom negócio



***



      nasrudin conduzia o burrico

      por vereda de penhasco

      pata em falso

      e cai o jumento no desfiladeiro

      em parte alguma ficando inteiro


      pensativo disse o mulá

      aprender a voar aprendeu

      mas a aterrar não



***



      um comerciante em viagem

      entrou com a sua caravana

      numa cidadezinha do interior do país


      acometido por intensa cólica intestinal

      não se conteve e fez as suas necessidades

      bem em frente ao santuário


      surpreendido por alguns populares

      foi levado à presença do juiz nasrudin

      que lhe perguntou

      era sua intenção ofender-nos com tal acto

      era sua intenção ofender a nossa sagrada religião

      e todos os que a professam


      não eminência

      nunca o faria

      não faz parte do meu ser

      respeito e sempre respeitei

      os costumes e crenças

      dos lugares que percorro

      no entanto padeci de tal dor de ventre

      que não me consegui conter


      o juiz olhou-o longamente

      e perante a evidente sinceridade do réu

      preparou-se para proferir sentença


      o que é que o réu prefere

      um castigo físico ou uma pena de multa


      uma multa meritíssimo 


      nesse caso condeno-o

      ao pagamento de um denário


      o comerciante retirou da sua bolsa uma moeda

      outra e ainda outra dizendo

      senhor apenas tenho uma moeda de dois denários

      partamo-la ao meio ficando o tribunal com metade

      assim se fazendo justiça


      nasrudin pegou na moeda de ouro

      olhou-a calmamente e disse

      não

      esta moeda não deve ser partida

      e como exemplo

      o tribunal arroga-se o direito de ficar com ela

      concedendo ao réu o direito de no dia de amanhã

      voltar a fazer as suas necessidades

      em frente à porta do templo



***



      um vizinho pediu

      um varal a nasrudin


      lamento está em uso

      estou a secar farinha


      como      replicou o vizinho

      secar farinha num varal

      empresa estranha irregular

      diria mesmo irreal


      não penso assim

      respondeu nasrudin

      nem estranho nem dificultoso

      basta não o querer emprestar



***



      nasrudin remendava o seu telhado


      em baixo na rua

      um faquir solicitou-o a descer


      nasrudin sem questionar desceu


      o faquir pediu

      dê-me uma esmola por alá


      podia ter subido

      para falar comigo

      disse o mulá


      tive vergonha


      ora não seja assim

      suba comigo

      disse nasrudin


      subiram ao cume

      nasrudin continuou o seu trabalho

      e disse

      não tenho nada trocado para lhe dar



***



      havia um funeral

      alguém perguntou ao mulá

      devemos seguir à frente ou atrás da urna


      tanto faz 

      desde que não se esteja lá dentro



***



      nasrudin bateu à porta de uma mansão 


      o dono abriu a porta


      poderá o senhor dar-me

      um pedaço de pão

      com que alivie a fome


      não

      não sou padeiro

      vai pedinchar a outra casa


      e se for um pouco de carne


      claro que não

      o que é que te faz pensar

      que eu seja carniceiro


      uma tigela de farinha


      será que esta casa

      tem a aparência de um moinho


      pelo menos dai-me uma moeda


      aqui não está instalado nenhum banco


      já que nada tendes para me dar

      peço-vos humildemente

      que me deixeis descansar

      um pouco à sombra na vossa casa

      o sol queima e eu estou esgotado


      vendo que assim nada perderia

      o avarento concordou

      e apesar de contrafeito disse

      senta-te ali na sala


      nasrudin entrou

      dirigiu-se para a cadeira

      que lhe tinha sido destinada

      mas em vez de se sentar

      baixou as calças e começou a cagar

      no tapete persa da sala


      o que é que fazes

      enlouqueceste

      quem pensas que és


      eu sou nasrudin

      e num lugar como este

      tão inútil

      não enxergo mais nada

      para fazer além de defecar



***



      nasrudin tinha um relógio

      que nunca estava certo

      ora adiantava

      ora atrasava


      um amigo perguntou-lhe

      mulá nunca sabes as horas certas

      será que não podes fazer algo


      nasrudin pensou uns segundos 

      pegou num martelo

      e desferiu um golpe

      fazendo-o parar


      que asneira     que fizeste tu

      assim não o compuseste

      avariaste-o de vez


      não me parece

      antes nunca estava certo

      agora pelo menos

      certo está duas vezes ao dia



***



      houve festa em casa de nasrudin

      a mulher fizera um doce fabuloso

      restaram apenas duas pequenas fatias

      que guardaram para o dia seguinte


      à noite não conseguindo dormir

      acordou a mulher


      ergue-te

      temos algo de urgente para fazer


      por amor de alá nasrudin

      caio de sono e cansaço


      vem volveu o mulá

      vamos comer o doce hoje

      melhor é que esteja no estômago

      do que na cabeça

      não me deixando repousar



***



      um bêbado cambaleava

      passo cá e passo lá

      queda aqui e queda acolá


      nasrudin auxiliou-o

      mas o homem segredou algo ao mulá

      que de imediato se afastou


      um passante perguntou

      desistiu

      porque o abandonou

      e não ajuda


      nasrudin convicto disse

      diz que não precisa

      tudo lhe gira e rodopia

      quando a sua casa por ele passar

      para dentro dela irá pular

      como vê poupa esforço

      não precisa de caminhar



***



      nasrudin e sua mulher voltaram a casa

      encontrando a porta escancarada

      e a habitação violada e assaltada


      a culpa assiste-lhe disse a mulher

      devia ter verificado a porta antes de sair


      e também as janelas

      não verificou as trancas

      não se preveniu quando saiu

      disseram os vizinhos


      a culpa é sua disse a mulher

      disseram todos


      esperem      alegou nasrudin

      uma coisa assim

      serei por acaso o único culpado

      serei eu o vilão


      e de quem queres que seja a culpa

      perguntaram


      que tal culpar o ladrão



***



      nasrudin tinha um filho

      numa das muitas visitas

      que lhe fazia disse o jovem


      meu pai

      esta noite

      tive um sonho extremamente agradável

      sonhei que me havia dado cem moedas de prata


      tem sido um bom filho

      ninguém pode desejar mais      reconheço

      não tem vícios é respeitador e sensato

      de si nada mais peço


      deste modo fica em descanso

      que as cem moedas que lhe dei no sonho

      são suas e não lhe pedirei a sua restituição

      vá e compre com elas o que quiser

      tudo o que lhe aprouver



***



      alguém pediu a nasrudin

      que lhe emprestasse uma corda


      estou a utilizá-la disse o mulá

      preciso dela para uma mudança


      como assim

      se a vejo no chão

      e se é esse o seu uso

      por alá quanto tempo em tal usança nasrudin


      até ao dia

      em que me disponha a emprestá-la



***



      nasrudin encontrou um falcão

      ave que nunca houvera visto

      repousando no seu quintal


      nisto

      cortou-lhe o bico

      aparou-lhe as garras

      e penas


      agora sim     nasrudin

      pensou

      temos pássaro



***



      nasrudin tinha um cordeiro

      gordo e desejado


      amigos e vizinhos tudo faziam

      tentando convencê-lo

      a comê-lo


      muitas foram as tentativas

      todas malogradas

      para com o bicho se banquetearem

      até que num serão

      convenceram o mulá

      de que o mundo 

      em vinte e quatro horas iria acabar


      vamos então comê-lo

      não desperdicemos oportunidade

      que não mais teremos        disse


      servida a lauta ceia

      adormeceram os convivas tais lorpas

      nasrudin pegou os casacos de todos eles

      e deitou-os para arder na lareira


      acordaram e bradaram

      injuriando o mulá


      calma irmãos     disse

      já vos esquecestes que amanhã é o fim do mundo

      para que necessitais então de vossas roupas



***



      o mulá enviou

      um garoto à fonte

      vá e não parta o pote


      nisto deu-lhe uma varada

      que o fez saltar

      e bramir de dor


      um amigo indignado

      condenou-o vivamente  

      mulá isso não se faz

      não se bate em quem

      mal ainda não fez


      deixe de ser asno

      de que serve castigá-lo

      depois do mal feito


      que adianto

      sem água e sem vasilha


      eu sem bilha

      ele com bordoada

      mal de dois

      assim que seja

      apenas de um

      respondeu



***



      um cientista e um filósofo lógico

      discutiam com nasrudin


      a experiência e os meus olhos

      são a premissa necessária

      para que dê algo por existente

      para que afirme a realidade

      dizia o cientista


      a teoria é a minha premissa

      nada experimento 

      que antes não teorize

      disse o filósofo


      o mulá de joelhos

      começou a verter leite no lago

      mexendo-o com um galho


      que faz perguntaram


      iogurte


      asneira      iogurte não é assim feito


      talvez não       talvez sim

      mas supondo que sim

      respondeu nasrudin



***



      já quase amanhecia

      quando dois bêbados

      discutiam a alta voz

      à porta de nasrudin


      levantou-se o mulá

      enrolado num cobertor

      disposto a acalmar a contenda


      poucas palavras dissera

      quando um dos discutidores

      puxou do cobertor 

      com que fugiram

      ele e o outro


      nasrudin subiu a casa

      e a mulher perguntou

      qual o motivo da discussão


      acho que por causa do cobertor

      mal um mo furtou

      tudo terminou



***



      tarde quente de agosto

      na estrada fervente

      nasrudin vê um homem

      com um grande cacho de uvas


      um pouco de vassalagem seria útil

      se tal fizesse com que algumas obtivesse


      grande sheik

      dás-me algumas das tuas uvas


      não sou sheik

      disse o dervixe

      homem simples e sem pretensões


      o mulá pensou estar 

      perante homem de maior importância

      e de grande valia

      alteza dais-me um pouco das tuas uvas

      alguns bagos serão o bastante


      não sou alteza

      volveu já agastado


      nasrudin confundido

      disse

      bom não me digas quem és

      nem o que és

      não importa

      senão ainda vou descobrir que o que trazes

      não é um cacho de uvas

      falemos de outras coisas



***



      nasrudin caminhava na estrada

      que o conduzia à aldeia

      o sol de primavera acolhia-o


      decidiu tomar atalho pela floresta

      para ver as flores 

      e ouvir o canto dos pássaros


      nisto pouco acautelado

      caiu num buraco

      e aí se quedou em profunda reflexão


      por alá

      se num dia tão belo

      em local tão maravilhoso

      desgraça destas me acontece

      o que não me poderia acontecer

      naquela estrada poeirenta e suja



***



      um sufi cuja sabedoria

      era pacificamente reconhecida na região

      disse a nasrudin


      caso encontres a verdade

      agarra-a e não hesites

      atira-a para o fundo de um poço


      decorrido algum tempo

      num trilho de campos cultivados

      encontrou nasrudin uma mulher cega

      que reclamou o seu auxílio


      nasrudin dispôs-se a auxiliá-la

      dando-lhe o braço e guiando-a ao seu destino


      há algum tempo que viajamos juntos

      e ainda não sei o seu nome

      qual é o seu nome nobre senhora


      verdade    respondeu a idosa cega


      bonito nome     pensou


      a poucos metros

      numa exploração agrícola

      encontrava-se um poço


      nasrudin não se fez esperar

      pegou-a ao colo

      e atirou-a para dentro dele



***



      nasrudin dispôs-se a realizar longa viagem

      para visitar um amigo que não via há anos


      preparou uma espécie de pequena mochila

      que teria de ser carregada às costas

      e muniu-se de um sabre e de uma lança


      durante o percurso foi acossado por um salteador

      que com um simples arrocho o subjugou

      deixando-o sem quaisquer dos bens

      que transportava incluindo a própria camisa


      chegado à cidade donde partira

      sem cumprir o objectivo determinado

      contou aos presentes a desgraça

      que lhe havia acontecido

      sem omitir qualquer pormenor


      um dos presentes não se conteve

      nasrudin como é que um homem

      armado de sabre e lança

      se deixou maniatar por um ladrão

      armado com um simples garrote


      há aqui um problema que não estás a considerar

      e que é absolutamente determinante

      meu bom amigo

      se eu tinha as duas mãos ocupadas

      a direita com o sabre e a esquerda com a lança

      diz-me tu como poderia eu servir-me delas



***



      nasrudin conversava animadamente


      enquanto o sol se escondia no horizonte

      escurecia progressivamente


      um amigo pediu

      acenda a vela nasrudin

      está a ficar noite cerrada


      qual vela questionou o mulá

      essa que está à sua esquerda


      ora seu cretino

      como distingo na escuridão

      a esquerda da direita



***



      nasrudin viajava na índia


      sentado à porta de uma gruta

      no isolamento da montanha

      estava um homem 

      em profunda meditação


      nasrudin interpelou-o

      penso que em algo somos parecidos

      sou um devoto dedicado ao criador


      eu sou um yogue

      dedico-me aos seres sensíveis

      tenho especial afeição por aves e peixes


      bem me parecia disse nasrudin

      um dia um peixe salvou-me a vida

      permiti que convosco fique uns dias


      certamente

      por serdes um devoto

      e pela vossa suma experiência

      que muito me compraz


      o yogue foi ensinando o mulá

      na arte da meditação

      exercitando-o em métodos diversos

      até que um dia depois de o doutrinar

      lhe pediu para narrar o episódio do peixe


      conhecendo agora vosso pensamento

      não sei se vos satisfará a minha narrativa


      insisto volveu o yogue


      bom     estava eu morrendo de fome

      sem comer havia vários dias

      que um peixe do rio com as mãos pesquei

      e com ele por três dias me alimentei



***



      nasrudin transportava para o mercado

      um asno carregado de sal


      ao atravessar um rio

      dissolveu-se o sal

      e aliviado do peso

      jubilava o sendeiro


      decorrido algum tempo

      carregou-o de lã

      e voltou a atravessar o rio


      a lã encharcada

      derreava o animal

      que cambaleante se arrastava

      com as forças perdendo


      muito bem       disse o mulá

      pensavas que sairias sempre vencendo



***



      houve uma caçada aos ursos

      nasrudin foi convidado

      e apesar de contrariado

      compareceu


      quando voltou à aldeia

      perguntaram-lhe

      que tal a caçada mulá


      excelente

      magnífica


      quantos matou


      eu          nem um


      quantos perseguiu


      nem um


      quantos viu


      nenhum


      então como pode ter sido a caçada excelente


      quando caçamos ursos nenhum é suficiente

      respondeu



***



      nasrudin viajou para um país

      onde abundavam cretinos e idiotas


      aí pregava

      tomai atenção

      detestai o pecado

      e todo o mal

      pedi a deus perdão


      meses a fio o ia repetindo

      até que um santo dia

      se espantou com a atitude de alguns

      que permaneciam imóveis

      de braços cruzados


      que fazeis perguntou


      já decidimos o que faremos

      com o pecado de que tanto falas


      renunciais ao pecado e à maldade

      decidistes afastar-vos do mal


      não decidimos afastar-nos de ti

      responderam



***



      num lago nadavam patos

      nasrudin olhou-os cobiçoso

      tentou apanhar um

      mas nada conseguiu


      começou então a pôr na água

      pequenos pedaços de pão

      que comia com satisfação


      um passante perguntou

      que faz mulá


      estou a comer sopa de pato



***



      numa vila próxima da de nasrudin

      havia uma famosa feira de burros


      os camponeses das redondezas

      acorriam na expectativa

      de fazer um bom negócio


      numa tenda

      onde se juntavam para comer e beber

      alguém disse

      venho há anos a esta feira

      nada muda

      aqui só há burros e camponeses

      nada mais para além disso


      nasrudin saiu da tenda e num aglomerado

      que examinava um belo exemplar de burro

      descortinou um homem que pelas suas vestes

      não parecia agricultor ou camponês 


      és camponês


      não 


      está tudo dito

      não me digas mais nada



***



      falava-se de halva

      o mais doce dos doces árabes

      nasrudin quedava-se mudo


      perguntaram-lhe

      e você nasrudin que nos diz


      eu nunca fiz halva em casa


      como é possível nasrudin

      não há ninguém que não tenha feito


      nunca tenho açúcar

      farinha e manteiga

      a um mesmo tempo


      certamente alguma vez terá tido


      certamente

      mas dessa vez

      não estava em casa

      estaria fora



***



      alguns jovens

      prepararam uma tramóia ao mulá


      estando na sauna

      e chegando nasrudin disseram

      imaginemos que somos galinhas

      quem não puser um ovo

      paga de todos a despesa


      o mulá concordou

      os jovens começaram a cacarejar

      e um após outro

      iam retirando do traseiro

      um ovo atrás escondido


      mostra-nos o teu nasrudin


      com tanta galinha

      haverá certamente um galo

      não será assim

      disse nasrudin



***



      nasrudin visitou a capital

      quando voltou os habitantes da aldeia

      cercaram-no de perguntas


      que viste tu

      que fizeste

      o que é que foi

      mais importante para ti


      mais que ver foi o que ouvi

      que deveras me marcou

      quando o próprio rei comigo falou


      os ouvintes ficaram satisfeitos

      apenas um   o menos expedito

      ficou e perguntou

      o que te disse o rei


      cruzou-se comigo

      e em alta voz bradou

      sai do meu caminho


      o aldeão deu-se por contente

      tinha ouvido pela boca de outrem

      palavras de sua majestade



***



      o mulá estava empoleirado numa árvore


      alguém lhe perguntou

      que fazes por aí nasrudin


      estou procurando ovos


      como assim

      os ninhos são do ano passado


      suponhamos que és um pássaro

      que quer fazer um ninho

      irias fazê-lo aos olhos de toda a gente

      respondeu nasrudin



***



      nasrudin instado pela mulher

      foi à floresta buscar lenha para o fogão


      depois de ter junto um bom braçado

      colocou-o às costas atado com um nagalho

      e montou no jumento


      no caminho os transeuntes

      riam-se de tal figura

      um homem com lenha às costas

      montado num asno

      asno sobre asno     pensavam


      porque é que carregas nas tuas costas a lenha

      quando a podias carregar no burro

      que tanto prezas e gastas a alimentar

      de que te serve a cabeça 

      apenas para usar turbante

      não pensas pobre homem de alá

      ah nasrudin como és casmurro


      como sois parcos de vista e lerdos de espírito

      não basta a este pobre animal que eu o monte

      para que tenha ainda que suportar

      o peso da lenha

      poupo-o assim a um peso suplementar



***



      um amigo fez constar a nasrudin

      que falar mal de dervixes

      faria cair uma maldição sobre quem o fizesse


      nada disso

      asneira

      afirmou o mulá

      e do bolso retirou

      uma pequena caixa

      de onde tirou um sapo


      vejam

      este é meu irmão

      criticou um dervixe

      mas tem saúde

      come pouco

      e pode viver mais de cem anos

      está bem melhor do que estava



***



      não se sabia onde estava o burrico de nasrudin

      os campónios da aldeia procuravam-no

      nasrudin não parecia preocupado

      mais parecendo os que o buscavam


      um dos que auxiliavam disse

      não pareces constrangido

      nem sofres com a eventual perda

      é assim ou engano-me


      enganas-te amigo

      quando procurarmos nas montanhas

      que vemos no horizonte

      e não o encontrarmos

      então começarei a ficar apreensivo



***



      nasrudin afirmava na casa de chá

      sua inata hospitalidade


      aproveitando-se disseram os amigos

      leva-nos a tua casa para jantar


      nasrudin anuiu

      e partiu à frente para avisar a mulher

      que não ficou entusiasmada


      não tenho comida para tanta gente

      mande-os de volta


      não posso tal fazer

      minha honra está em jogo


      eu mesmo o farei

      direi que não estás


      decorrido algum tempo os convidados

      impacientavam-se desesperados


      abre a porta nasrudin

      deixa-nos entrar

      pois queremos comer


      a mulher do mulá disse-lhes

      meu marido não está

      saiu a correr

      não sei para que coisa fazer


      os amigos disseram que tal impossível era

      tinham estado sempre à porta

      e ninguém viram sair

      continuaram então a insistir


      o mulá sem se conter

      assomou à janela do andar cimeiro e disse

      podia ou não eu ter saído pela porta dos fundos



***



      nasrudin estava cansado de alimentar o burro

      pediu à mulher que o fizesse

      o que ela negou


      depois de muita discussão

      decidiram

      que o primeiro a falar

      teria de alimentar o jumento


      nasrudin sentou-se no sofá

      e a mulher foi ao mercado


      entretanto um larápio

      entrou em casa

      furtando tudo o que havia para furtar


      o mulá viu

      mas manteve-se quedo e mudo

      para a promessa não quebrar


      a mulher retornou a casa

      e perante tal aparato

      começou a injuriar o marido

      que impávido lhe disse

      vai dar comida ao burro

      e vê no que deu a tua teimosia



***



      nasrudin caminhava

      à noite em estrada deserta


      um grupo de cavaleiros

      dirigia-se na sua direcção


      a sua imaginação movida pelo medo

      apontava perigos terríveis sem fim


      começou a fugir

      saltou o muro de um cemitério

      e estendeu-se numa cova aberta


      os cavaleiros estranhando-o

      seguiram-no e interpelaram-no

      que fazes criatura nessa cova

      podemos ajudar-te


      estou aqui por vossa causa

      e vós aqui por mim

      respondeu tremendo nasrudin



***



      nasrudin teve uma zanga com a mulher

      esta irritada

      aqueceu-lhe a sopa em demasia

      aguardando que o mulá se queimasse


      no momento de a comer

      serviu-a

      mas esquecendo-se do feito

      foi a primeira a queimar-se

      e tal foi a dor que chorou


      vendo-a assim

      disse nasrudin

      porque choras mulher


      ah minha pobre mãe antes de falecer

      comeu uma sopa assim

      choro com saudade


      nasrudin elucidado e esfomeado

      lançou-se sobre a sopa

      e logo as lágrimas lhe correram pelo rosto


      porque choras nasrudin

      choro porque tua pobre mãe morreu

      e logo te havia de deixar viva



***



      o rei andava à caça

      quando quis almoçar


      por perto apenas a casa de chá

      do afamado nasrudin


      pediu uma omeleta

      logo que terminou disse

      mulá temos de voltar à caça

      traga a conta


      cem moedas de ouro

      nossa majestade


      por alá nasrudin

      há falta de ovos nesta região


      não excelência

      não será bem assim

      o que falta é visita de rei



***



      nasrudin passeava com o seu filho

      no parque municipal

      quando se deparam com um ovo no chão

      junto de plantas arbustivas rasteiras


      diz a criança

      pai como é que os pássaros entram no ovo


      nasrudin ficou confuso

      durante toda a minha vida

      me questionei quanto ao facto

      dos pássaros saírem dos ovos

      e agora vens tu gerar

      mais um problema na minha mente



***



      nasrudin atarefado

      espalhava migalhas em torno da casa


      o que é que estás a fazer

      perguntou um vizinho


      fazendo os tigres fugir


      mas aqui não há tigres


      então funciona      não



***



      nasrudin visitou o rei

      trajando fantástico turbante


      estava convencido de que lho poderia vender

      arrecadando umas quantas moedas de ouro


      sua majestade reparou nele e perguntou

      quanto pagaste pelo turbante


      mil moedas meu rei


      o vizir segredou ao amo

      só pode ser tolo

      ninguém pagaria tal maquia


      porquê

      é a primeira vez que tal ouço

      nunca vi peça por tal quantia

      disse o rei


      saiba majestade que o comprei

      sabendo que em toda a vasta terra

      apenas um rei o compraria


      encantado com tal elogio

      ordenou a entrega

      de duas mil moedas a nasrudin


      dias após nasrudin disse ao vizir

      conheces o valor dos bens

      de mantos e turbantes

      mas sou eu que conheço a fraqueza dos reis



***



      o rei enviou uma delegação pelo país

      para que se encontrasse

      um homem recto e modesto

      com o fim de ser nomeado juiz


      encontraram nasrudin

      que soubera da embaixada

      com uma rede de pesca

      enrolada nos ombros


      um dos da comitiva perguntou

      porque usas essa rede


      para que nunca esqueça humilde origem

      meu avô foi pescador

      meu pai pescador foi

      e eu também o sou


      foi de imediato nomeado magistrado

      e deslocado para a corte


      certo dia um dos que o escolhera

      encontrou-o sem rede

      e questionou-o

      que fizeste da rede de pescador

      porque não a envergas


      precisarei dela

      eu que já apanhei o peixe

      disse o mulá



***



      nasrudin tinha acabado

      de pôr mel a aquecer num tacho

      quando inesperadamente surgiu um amigo


      o mel começou a ferver

      nasrudin retirou-o do lume

      e ofereceu um pouco ao visitante

      depois de o ter vertido

      numa pequena malga


      a visita incauta

      queimou-se


      nasrudin um tanto hesitante

      muniu-se de um leque

      correu para o fogão

      e começou a agitá-lo em cima do pote

      que ainda estava ao lume

      intentando arrefecer o mel



***



      nasrudin e um amigo

      procuraram a toca de lobo

      pretendiam um filhote


      o mulá assomou à entrada

      e foi acometido por feroz animal

      iniciando-se uma luta infernal

      e no meio desta

      gritou o amigo

      pare mulá

      deixe de correr e de saltar

      já estou meio coberto de terra


      respondeu nasrudin

      não mo diga a mim

      se eu parar

      ficará coberto por inteiro



***



      nasrudin tinha um búfalo

      com dois largos e longos chifres

      uma das suas antigas fantasias

      era sentar-se neles

      como um rei no seu trono


      certo dia não resistiu

      mas assim se sentou

      assim foi lançado ao ar

      arremessado como leve pena

      enquanto inconsciente da queda

      chorava sua mulher


      nasrudin retomou a consciência

      e disse

      não chore

      se tive algum sofrimento

      também um desejo realizei



***



      um homem lamuriava-se

      por lhe terem roubado elevada quantia


      nasrudin disse

      alá te acudirá


      será

      questionou duvidoso

      o defraudado


      vem comigo à mesquita

      nesta o mulá estendido e aos brados

      pedia a deus que restituísse o dinheiro furtado

 

      o alarido era de tal monta

      que os fieis incomodados

      decidiram angariar o montante desaparecido


      nasrudin filosofou

      provavelmente não entendes os meios

      que movimentam e equilibram o mundo

      mas os fins compreendes

      quando tão directos assim o são



***



      nos dias de mercado

      nasrudin percorria-o

      pedindo uma moeda


      sempre lhe ofereciam

      uma grande e outra pequena

      a escolher


      era a pequena que sempre escolhia

      tinha consciência de que se riam de si

      que passava por idiota


      alguém lhe disse um dia

      mulá escolha a moeda maior

      ganhará duas vezes

      e deixarão de se rir de si


      talvez seja

      mas quando assim fizer esta gente

      nunca mais me vai oferecer dinheiro

      porque deixarei de ser mais tolo do que ela



***



      um discípulo

      não parava de fazer perguntas

      nasrudin

      ia respondendo como podia


      o jovem homem insistia

      mulá quero progredir

      rapidamente no caminho

      diga-me algo     um segredo

      que me faça despertar


      no momento certo

      respondeu nasrudin


      passados meses volveu

      conte-me o segredo


      certo

      qual é a sua primeira obrigação


      seguir o seu exemplo mestre


      sabe então guardar um segredo


      sim mestre

      não o transmitiria a ninguém


      então veja como eu consigo guardar um segredo

      tão bem quanto você

      é capaz de o fazer     rematou



***



      o que é o destino

      perguntaram a nasrudin


      uma sucessão de factos

      que se encadeiam e integram

      uns influenciando os outros


      a sua resposta é vaga

      e não me satisfaz


      a explicação está

      na relação causa-efeito

      vejamos então disse o mulá

      olhe aquele homem

      está sendo levado para a forca

      por que será

      porque alguém lhe deu a moeda

      com que adquiriu a arma do crime

      porque alguém viu

      ou porque ninguém

      o impediu de o cometer



***



      três religiosos

      meio sábios

      meio místicos

      conhecendo nasrudin

      e ouvindo falar dos seus poderes

      quiseram testá-lo


      perguntou o primeiro

      onde está o centro do mundo


      nasrudin indicando o jumento disse

      no ponto em que pisa a pata dianteira

      a pata direita


      será      como sabe      pode prová-lo

      

      se não crê em mim meça-o


      perguntou o segundo

      quantas estrelas existem no céu


      tantas quantos pelos tem o meu burro


      como o pode saber


      se não crê em mim conte-os você


      o terceiro nada perguntou



***



      nasrudin criticava as leis da cidade

      afrontavam a verdade e a autenticidade


      o rei decidiu mudar a situação


      a seguir ao portão de entrada

      ordenou a construção de uma forca

      com o seguinte édito

      todos serão interrogados

      quem falar verdade entrará

      quem mentir morrerá


      nasrudin como sempre

      foi o primeiro a entrar


      onde vai

      perguntou o chefe da guarda


      estou a caminho da forca

      disse o mulá


      não acredito


      muito bem se estou a mentir

      enforquem-me


      mas se o enforcarmos por mentir

      o que disse será verdade


      então descobriram a verdade

      a vossa verdade

      exclamou nasrudin



***



      a mulher de nasrudin insistia

      para que este trabalhasse


      não posso

      dizia

      estou ao serviço do senhor


      peça-lhe então um salário

      todo o trabalhador tem direito

      a ser justamente remunerado


      nasrudin foi para o jardim

      e bradava aos céus

      pagai-me alá

      por todos estes anos de serviço

      cem moedas de ouro

      não será muito nem pouco

      será compensação justa


      um vizinho rico e chistoso

      ouvindo-o em tal prece

      atirou com um saco de cem moedas

      que caiu aos pés de nasrudin


      já recebi

      já recebi

      sou um santo de alá

      disse o mulá


      a partir daí

      nasrudin fazia vida de rico

      e não tardou que o vizinho

      reclamasse o dinheiro


      obviamente negou-lho

      tinha sido enviado por alá


      vou levá-lo a tribunal

      afirmou o vizinho


      não posso ir perante juiz

      não tenho roupas decentes

      nem cavalo

      nem nada que respeitoso pareça

      decerto julgará a seu favor


      o vizinho emprestou-lhe o manto

      e a montada

      e dirigiram-se ao juiz

      que ouviu o queixoso

      para depois questionar nasrudin


      qual a sua defesa mulá

      o meu vizinho é louco       excelência

      julga de tudo ter posse e propriedade

      se lhe perguntardes vos dirá

      que meu cavalo e meu manto lhe pertencem

      mais fácil será dizê-lo do meu ouro


      mas      mas eminência é tudo meu

      gritou o queixoso exasperado


      caso encerrado

      disse o magistrado



***



      nasrudin caminhava no deserto

      três árabes discutiam a construção dos minaretes


      o primeiro dizia

      caíram dos céus


      foram construídos num poço

      e depois içados

      afirmou o segundo


      e o terceiro

      cresceram como cactos


      estavam já a chegar a vias de facto

      quando pediram a douta opinião do mulá


      estão em erro absoluto

      foram construídos por gigantes antigos

      muito mas muito mais altos do que nós



***



      o navio estava prestes a afundar

      o mulá passara a viagem com advertências

      e todos se haviam rido na sua cara


      agora de joelhos

      suplicavam pela salvação

      faziam promessas absurdas

      de vultuosas quantias

      de dificultosas acções


      chega irmãos disse nasrudin

      não se envolvam em tais compromissos

      como toda a vossa vida têm feito

      vejo terra segura



***



      um sábio devoto

      viajou para ouvir nasrudin

      a sua fama de místico tinha-o atraído


      nasrudin estava sentado ao lume

      soprando nas mãos em forma de concha


      que fazes

      aqueço as mãos com o meu hálito


      passado algum tempo

      a mulher do mulá

      serviu dois pratos de sopa

      nasrudin soprava na sopa


      aprenderei algo pensava a visita

      que fazes agora


      arrefeço a sopa com o meu hálito


      partiu de imediato o sábio

      o homem afinal não era místico

      nem mestre nenhum



***



      certo dia perguntaram a nasrudin

      qual é a tua orelha esquerda


      nasrudin elevou o braço direito

      que passou por cima da cabeça

      e o fez tocar na orelha dizendo

      é esta       está aqui


      nasrudin porque o mostras

      de forma tão anormal

      não seria mais fácil mostrar

      a orelha esquerda

      movimentando o braço

      e a mão esquerda


      claro

      certamente que sim

      mas se o fizer como dizes

      deixarei de ser nasrudin



***



      nasrudin colheu abóboras na horta

      para as oferecer ao rei


      um amigo de brincadeira

      disse-lhe para levar antes figos

      sabendo que o rei nem ver os podia


      assim o fez o mulá

      junto de sua alteza

      entregou-lhe o presente


      este vermelho de raiva

      um a um lhos atirou à cabeça

      e a cada arremesso

      nasrudin levantava as mãos ao céu

      dizendo

      abençoado alá obrigado


      o rei intrigado perguntou

      que agradeces tu tolo


      ó meu senhor

      agradeço ter trazido figos

      e não abóboras



***



      uns garotos começaram a lutar

      por um saco de nozes

      que haviam encontrado


      nasrudin foi chamado para decidir

      que lei querem vocês

      que use na repartição das nozes

      a dos homens ou a de deus


      a de deus

      disseram todos


      nasrudin ia dividindo

      uma a um a outro três a outro seis

      e nada para os restantes


      os que não receberam

      de imediato reclamaram

      que lei é essa que usaste

      que injustiça é esta


      meus filhos apliquei a lei de deus

      a uns pouco a outros muito e a outros nada

      se escolhessem a lei dos homens

      seria diferente



***



      nasrudin foi a bagdá

      uma multidão imensa atropelava-se


      procurou uma pensão

      deitou-se 

      e confidenciou ao companheiro de quarto

      no meio de tanta gente

      como me poderei encontrar

      quando acordar


      ponha este balão na perna

      quando acordar o homem do balão será você

      respondeu o brincalhão


      adormeceu e quando acordou

      viu o balão na perna do vizinho

      acordou-o e disse

      ei esse aí sou eu

      mas se esse aí sou eu

      se você sou eu

      por alá

      então quem sou eu



***



      um amigo de nasrudin foi visitá-lo

      e levou de presente um pato

      que foi logo cozinhado para a ceia

      e compartilhado com o doador


      dias depois

      começaram a chegar visitantes

      que nasrudin não conhecia

      dizendo cada um

      ser amigo do amigo

      que oferecera o pato

      e assim iam sendo

      alimentados e hospedados


      nasrudin

      indignou-se com tanta

      hipocrisia e descaramento


      nisto apareceu em sua casa

      mais um hóspede dizendo

      ser amigo de um amigo do amigo

      que lhe trouxera o pato

      aguardando que nasrudin

      lhe servisse a ceia


      nasrudin encheu uma malga de água quente

      e colocou-a à frente de tão abusadora visita


      desculpe mas o que é que me está a servir

      perguntou o forasteiro


      o mulá respondeu

      a sopa da sopa da sopa do pato

      que me foi oferecido

      há meses pelo meu amigo



***



      a peste ia a caminho de bagdá

      quando encontrou nasrudin


      este perguntou-lhe

      onde vais tu peste


      vou a bagdá

      matar dez mil pessoas


      passado tempo

      voltou a encontrar-se com nasrudin

      irritado disse o mulá

      peste mentirosa

      disseste que matavas dez mil

      e mataste cem mil


      eu não te enganei

      o que disse fiz

      só dez mil matei

      o resto dessa gente

      morreu de medo




***




5/2021





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