ANTIPOESIA

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sexta-feira, 30 de abril de 2021

NASRUDIN - O SUFI III

 



***



      mulá são tantas as vezes

      que passas por idiota

      aos olhos desta gente


      vendes mais barato do que compras

      não te importas quando te enganam

      se te oferecerem o mais e o menos

      o menos alegremente aceitas

      ninguém te entende e de ti gracejam


      pensa bem

      será que não tem nenhuma vantagem

      passares por idiota

      aos olhos de toda essa gente

      se obtiveres uma consequência inteligente



*** 



      nasrudin passeava

      com o filho ainda pequeno

      no parque municipal


      passou um funeral

      a esposa do defunto chorava

      gemia    soluçava e gritava


      disse nasrudin

      ontem este desgraçado

      comia    bebia    divertia-se

      deitava-se na sua coberta bordada

      agora levam-no para onde

      não se come   não se bebe

      nem há coberta ornada

      nem sequer cama


      o filho do mulá

      com os olhos arregalados

      perguntou

      não me digas pai que

      vão levá-lo para nossa casa



***



      nasrudin era um cumpridor

      dos preceitos da sua religião

      mas num certo ano

      juntou-se aos judeus

      durante o ramadão


      chegou o carnaval e abandonou-os

      os judeus ficaram espantados

      já não professas a nossa fé


      porque é que se espantam

      durante trinta anos

      cumpri escrupulosamente

      a tradição muçulmana

      sem me tornar perfeito

      como é que poderia

      ser judeu em trinta dias



***



      nasrudin foi para uma cidade

      onde os habitantes tinham por costume

      dependurar um estandarte nas suas casas

      por cada vasilha com oiro que possuíssem


      nasrudin

      passou mais de um ano

      nessa cidade

      e foi enchendo

      vários cântaros de barro

      com areia e pedras

      e por cada um

      pendurava um estandarte


      os habitantes visitaram-no

      e viram que nas bilhas

      só havia pedras e areão do rio


      mulá aqui só há pedras

      não há oiro nenhum


      que interessa se é oiro ou se são pedras

      se é para ficar dentro das bilhas

      o resultado é o mesmo

      ou não é



***



      nasrudin foi morar para outra cidade

      conversando com um comerciante

      perguntou-lhe como ia o negócio


      óptimo


      então pode emprestar-me dez moedas


      como assim

      eu não o conheço

      nasrudin


      estranho             disse o mulá

      onde eu vivia

      ninguém me emprestava

      porque me conheciam

      agora não mo emprestam

      porque não me conhecem



***



      a mulher de nasrudin rezava

      quando lhe pareceu

      que tinha dado um traque

      ventosidade expelida pelo ânus 


      ficou na dúvida       ou traque ou outro ruído

      antes fosse algo que não fosse pecado


      como o marido não estava

      foi consultar um velho sábio

      que morava ao lado


      o velho deu um traque e perguntou

      era este o barulho


      era      era um pouco mais forte


      deu mais um com esforço

      e que fez muito barulho

      era como este


      não      mais forte


      diz-lhe o velho

      vai para o inferno

      que já me borrei todo



***



      nasrudin lavrava um campo

      com uma junta de bois


      um deles era preguiçoso

      como o diabo

      soltou-se e fugiu


      quando o viu a fugir

      pegou numa chibata

      e começou a bater no que ficou


      um criado de lavoura perguntou

      porque é que bates no boi velho

      e não bates no que fugiu


      porque quem é culpado é o boi velho

      pôs-se de lado

      fingiu que não viu o outro 

      e deixou-o fugir



***



      disseram ao mulá

      com suspeitas fundadas

      a tua mulher anda sempre a passear


      passeia sim

      disse nasrudin

      e depois volta para casa


      mulá anda de cabeça descoberta

      se assim é

      é porque o lenço é pequeno


      e anda de um lado para o outro

      ninguém compreende


      certo  

      eu gosto que ela

      se passeie assim


      não é isso mulá

      ela anda

      de um lado para o outro

      com estrangeiros


      bem 

      respondeu o mulá

      será que sou pai

      ou irmão dela

      será



***



      nasrudin tentava subir para o burro

      estava difícil    a velhice não perdoa


      havia crianças a brincar na rua

      que se deliciavam

      com o pobre desajeitado


      por fim lá conseguiu

      mas de imediato

      do outro lado do burro caiu


      as crianças riram


      nasrudin de mau humor disse

      vão-se rir para o diabo

      eu estava em terra de um lado

      por segundos estive montado

      e agora estou em terra do outro lado

      é tudo

      ide brincar

      vou levar o burro à mão



***



      nasrudin no mercado

      encontrou uma moeda de oiro


      as pessoas eram muitas      uma multidão

      e andavam de cá para lá

      de um lado para o outro


      nasrudin subiu a um palanque e gritou

      parem      estou a ficar tonto

      deixem de andar para trás e para a frente

      eu já encontrei a moeda



***



      nasrudin foi contratado

      educador de um príncipe

 

      as lições terminavam sempre

      antes do chamamento

      para a oração da tarde


      um dia

      já depois da chamada

      nasrudin continuou a lição

      sem a interromper


      já chamaram para a oração

      disse o aluno


      não ouvi nada


      nasrudin

      o melhor é tirar os óculos

      e pô-los nos ouvidos



*** 



      no mês do ramadão

      nasrudin dispôs-se

      para não se enganar

      a pôr dentro de um pote

      a cada dia

      uma pedra

      e foi o que fez


      dia após dia

      colocava uma pedra no pote


      mas nasrudin tinha uma filha pequena

      que sem o pai ver

      pôs um punhado de pedras no pote


      certo dia alguém

      perguntou ao mulá

      o dia do mês


      nasrudin foi a casa contar as pedras

     espanto      estavam cento e quarenta e cinco no pote


      pensou

      se eu disser àquela gente

      que estamos no dia cento e quarenta e cinco

      vão pensar que estou maluco

      pôs de lado cem e disse-lhes

      estamos no quadragésimo quinto dia


      todos riram desalmadamente

      um mês só tem trinta dias


      nasrudin

      sem se atrapalhar

      disse 

      pois saibam que a fazer fé no pote

      estaríamos no centésimo quadragésimo quinto dia



*** 



      nasrudin viajou para um país estrangeiro


      sendo parecido

      com um assassino fugido à justiça

      foi preso e condenado à morte


      o condenado tinha o direito

      a uma última vontade


      perguntaram a nasrudin qual era a sua


      quero escolher como morrer


      certo      diga

      ser-lhe-á concedido

      como quer morrer


      respondeu

      quero morrer de velho



***



      nasrudin não saía de casa

      o que o deprimia e deprimia a mulher


      sai homem      precisas de tomar ar

      não tarda adoeces e ficas de cama

      habituas-te e nunca mais sais


      nasrudin foi até à cidade

      e por lá foi ficando


      ao fim de quinze dias encontrou um amigo

      a quem pediu para perguntar à mulher 

      se já chegava ou ainda

      devia ficar mais tempo fora



***



      nasrudin foi nomeado juiz


      como primeiro caso

      compareceram no tribunal

      um homem e uma mulher


      a mulher queixou-se

      meritíssimo 

      este homem deu-me um beijo

      sem que eu o quisesse 

      tive de fugir dele

      quero que seja condenado


      não sei o que fazer

      que decisão tomar disse

      esperai      pensando bem

      dá-lhe tu mulher

      também um beijo à força

      assim ficam compensados 

      e de beijos igualados



***



      nasrudin estava na mesquita

      e puxou a orelha do imã

      enquanto este estava prostrado


      o imã começou de imediato a recitar

      a mais importante de todas as orações

      o versículo do trono


      nasrudin boquiaberto disse

      se tu recitas o versículo do trono

      quando te puxam uma orelha

      o que não recitarias

      se te apertassem os tomates



***



      certo dia

      nasrudin

      que seguia

      com alguns dos seus discípulos

      lembrou-se de os convidar

      para comer uma sopa

      em sua casa


      chegado a casa

      perguntou à mulher se tinha sopa

      para ele e para os alunos


      a mulher um tanto alterada

      perguntou-lhe pela manteiga e pelo arroz 

      que ficara de comprar na mercearia


      esqueci-me


      não há sopa para ninguém


      o mulá viu uma panela vazia

      a maior que tinha em casa

      pegou nela e levou-a aos discípulos


      não há sopa

      mas se houvesse 

      vejam quanta haveria 

      em tão grande panela



***



      um príncipe pediu ao mulá

      para tocar viola


      não se lembrava de ter dito

      que sabia música

      mas como a torto e a direito mentia

      era melhor restar calado

      quanto à sua alegada mestria


      nasrudin

      meio desnorteado

      pegou no instrumento

      e tocou um único som

      numa única corda


      mulá porque deixaste de tocar


      oiçam por alá

      o zumbido de uma melga

      com esse ruído

      como é que ouvireis o que toco



***



      nasrudin tinha uma galinha preta

      levou-a ao mercado para a vender


      ninguém lha comprava

      até que apareceu um comprador

      que lhe disse que se fosse branca a adquiria


      nasrudin mandou-o voltar no dia seguinte

      que tinha uma branca para lhe vender


      chegado a casa

      com água quente e sabão

      lavou a galinha tantas e tantas vezes

      até cansado estar


      raios      a galinha continuava preta

      e pensou

      quem a tingiu

      não era amador

      sabia o que estava a fazer



***



      no povoado nasrudin espantou-se

      um grupo de aldeões viam a lua nascer

      que de tão pequena mal se conseguia ver


      que gente esta      pensou

      quando está lua cheia não olham para ela

      agora que mal se vê

      todos a querem ver



***



      um vizinho pediu a nasrudin

      o burro emprestado


      espera

      vou saber

      qual a sua opinião


      voltou e disse

      vizinho

      o meu burro não gostou da ideia

      diz que se eu o emprestar

      vão bater-lhe nas orelhas

      e nada há de que ele menos goste

      por parvo não querendo passar



***



      nasrudin era um bom jogador de xadrez


      costumava assistir aos jogos dos outros


      mas eram tantas as asneiras dos jogadores

      que estava constantemente a fazer comentários


      um dia irritou-se de tal modo

      que jurou deixar a mulher

      se voltasse a dar conselhos

      ou a fazer quaisquer reparos


      dias depois assistia a um jogo

      em que um dos jogadores

      deslocava estupidamente um cavalo

      que acabava logo ali com o jogo

      e corrigiu-o


      o outro que estava prestes a ganhar

      aborrecido questionou-o

      não disseste que deixavas a tua mulher

      se conselhos voltasses a dar


      ora      ora dei o conselho sem querer

      deixa que te diga

      que foi pelo mesmo motivo

      que casei com a minha mulher



***



      nasrudin partiu para um país vizinho

      com o seu secretário em negócios


      o rei ofereceu um banquete em sua honra


      enquanto conversavam

      nasrudin deu um enorme traque


      no final da refeição

      o secretário envergonhado

      chamou a atenção do mulá

      para tamanha má educação


      deixa-te de coisas

      aqui não conhecem a nossa língua



***



      nasrudin teve de ir a tribunal com um vizinho


      enquanto expunha o caso

      fez um sinal ao juiz

      pondo a mão sobre o peito


      o juiz deu-lhe razão


      mal o vizinho saiu

      o juiz disse ao mulá

      para lhe dar

      o que tinha prometido


      não prometi nada      disse nasrudin

      só lhe quis fazer ver

      que se não me desse razão

      lhe lançaria as pedras

      que trago junto ao coração



***



      numa noite de luar

      nasrudin antes de se deitar

      foi ao poço água tirar


      vendo a lua reflectida

      foi a casa buscar uma corda 

      com um gancho na ponta

      para a tirar de lá


      lançando o engenho à água

      o gancho prendeu-se a uma pedra

      e nasrudin tanta força fez

      que caiu de costas


      olhando para o céu viu a lua

      e pensou

      com dificuldade e com dor

      consegui voltar a pô-la no seu lugar



***



      nasrudin tinha uma horta

      onde plantava alhos

      planta que muito bem tratava

      e de quem muito gostava


      constou-se que à noite

      tirava os alhos da terra

      e os punha debaixo da almofada


      sabendo-o

      perguntaram-lhe alguns dos seus conhecidos

      o estranho motivo que o levava a fazer tal coisa


      os alhos são muito importantes para mim

      disse nasrudin

      nem a dormir devemos abandonar

      aquilo a que queremos bem



***



      em viagem

      entrou nasrudin numa aldeia


      os aldeões perguntaram a sua profissão


      ressuscito os mortos em nome de alá


      nasrudin foi por ali ficando

      bem alimentado e vestido

      até que um dia morreu um tecelão


      vem ressuscitá-lo


      nasrudin foi até à casa do defunto

      sentou-se junto ao corpo frio

      e perguntou

      que fazia ele na vida


      era tecelão


      que contrariedade

      não tenho solução


      porquê


      enquanto viveu

      passou o tempo

      com as pernas num buraco

      assim sendo

      o seu destino era este

      seguir as pernas para a cova

      não pode ser ressuscitado



***



      nasrudin

      afirmava em todo o lado

      que era profeta


      cansados de tanta gabarolice

      alguns populares levaram-no ao rei


      és profeta


      sim sou


      se és vais ter de fazer um milagre


      nesse instante chegou um trabalhador do rei

      que trazia uma fechadura

      que só era possível abrir com onze chaves


      ora aí está      disse o rei

      abre esta fechadura


      bem     bem     eu disse ser profeta

      alguma vez vos disse ser serralheiro     nunca



***



      um dia nasrudin inspirado

      subiu ao púlpito e disse

      demos graças a deus

      por ter construído

      uma mesquita sem colunas

      caso contrário

      seriam necessárias árvores de pedra

      e os seus frutos quando estivessem maduros

      iam-nos matando um a um



***



      numa horta 

      nasrudin arrancou cenouras

      alfaces     alhos e nabos


      chegado o hortelão

      perguntou-lhe o que ali fazia


      não sei

      estava a dormir no campo

      houve um vento tão forte

      que vim aqui parar


      e quem é que arrancou

      todos estes vegetais


      só pode ter sido a força do vento


      e como é que os meus vegetais

      foram parar ao teu saco


      bem    era precisamente nisso

      que eu estava a pensar

      quando tu de repente apareceste



***



      certo dia nasrudin

      levava uma gaiola

      cheia de galinhas e um galo 

      para vender no mercado


      como o caminho era longo

      com pena dos bichos

      soltou-os e mandou-os seguir caminho


      mal os libertou

      começaram galinhas e galo a correr

      em todos os sentidos

      menos no que nasrudin cria


      vendo o galo

      começou a dar-lhe

      com uma vara dizendo

      no galinheiro sabes se é noite ou dia

      como é que agora não sabes que caminho seguir



***



      um discípulo dirigiu-se

      a nasrudin acusando um outro

      de não ter observado o jejum


      nasrudin perguntou

      se tinha sido só um


      não mestre

      foram mais


      ah   diz-me

      se rezaram todos

      antes da refeição



***



      nasrudin comprou um turbante

      mas era curto e não o conseguia atar


      insatisfeito quis livrar-se dele

      e levou-o a um pregoeiro do mercado

      que o intentava vender


      alguém se interessou por ele

      e nasrudin

      disse-lhe ao ouvido

      tem cuidado meu irmão

      olha que o turbante é curto


      e o pregoeiro tendo ouvido

      ficou embasbacado



***



      perguntaram a nasrudin

      qual o seu instrumento musical preferido


      gosto do som 

      dos pratos e das panelas

      dos tachos e das frigideiras

      das facas e dos garfos



***



      alguém correu para junto do mulá dizendo

      um teu discípulo está no lago a afogar-se

      como é que o tiramos da água são e salvo

      ele que não pára de gritar para que o salvem


      quem tiver uma bolsa acene-lhe com ela

      pensando que tem dinheiro

      depressa nadará para a margem



***



      um juiz perguntou a nasrudin

      o que escolhe

      a justiça ou o dinheiro


      o dinheiro


      como é possível mulá

      um homem com os seus ideais

      de prédicas espirituais

      mestre de tantos alunos

      despojado dos bens materiais

      eu escolheria sempre a justiça

      espanta-me a sua opção


      juiz

      cada um deseja

      aquilo que mais falta lhe faz



***



      nasrudin andava sempre

      à procura do seu burro


      mais uma vez o perdeu de vista

      e ia perguntando a todos os que encontrava

      se o tinham visto


      um conhecido

      sabedor das maluquices

      do mulá disse

      claro que o vi

      estava a fazer de juiz

      num povoado vizinho


      nasrudin coçou a cabeça

      pensou       pensou

      e respondeu

      é muito provável

      pois sempre que ensinava os meus alunos

      o desgraçado virava as orelhas para mim



***



      nasrudin estava nos banhos

      onde estava um seu conhecido

      que lhe deu uma palmada no rosto


      pegou nele e levou-o ao juiz

      que era amigo do ofensor


      o juiz ouviu-os e disse

      para uma estalada

      a indemnização

      é uma moeda de pouco valor


      logo nasrudin viu o que se passava

      uma moeda de nada

      quase sem valor

      numa sentença do amigo do doutor


      o acusado procurou

      mas não tinha nenhuma moeda


      saiu para ir a casa buscar uma

      e nunca mais voltava


      nasrudin tanto esperou

      que se fartou de esperar

      por uma moeda que não valia nada

      e pouca coisa comprava


      percebendo que o juiz

      o tinha feito por amizade ao réu

      levantou-se e enquanto ele escrevia

      aproximou-se e deu-lhe um estaladão


      o juiz gritou

      mulá estás doido

      vou mandar-te prender


      fiz o que tinha de ser feito

      o homem não vem e eu tenho mais que fazer

      se ele voltar pode ficar com a moeda

      por conta do sopapo que lhe dei

      e foi-se



***



      na taberna disse nasrudin

      uma tarde de verão

      é igual a três dias de inverno


      como assim


      se digo é porque sei

      olhai

      lavei a minha túnica no inverno

      e demorou três dias a secar

      e lavei-a numa tarde de verão

      estando seca à noite



***



      nasrudin encontrou uma galinha

      morta no caminho


      levou-a para a estalagem do lugarejo

      para a comer com os seus amigos


      estes disseram-lhe

      mulá

      esta galinha é impura

      não perdeu a vida por mão humana

      não a podemos comer


      idiotas      imbecis

      será impura

      por que foi morta pelas mãos de deus

      em vez de o ter sido por nós

      que patetas sois



***



      nasrudin

      insistia que era profeta


      acabaram por o levar

      ao rei e a um juiz

      que com ele estava


      o que é que havemos de fazer

      disseram ultrajados os que o levaram

      este homem teima em ser profeta

      ofende a lei de deus


      o juiz ergueu-se

      se o continuar a dizer

      não abandonando essa blasfémia

      será condenado à morte


      o rei quis certificar-se

      se és profeta

      faz um milagre


      nasrudin

      pediu uma espada

      de nobre aço

      e bem afiada


      para que a queres


      vou fazer um milagre

      cortarei a cabeça do juiz

      e de seguida ressuscitá-lo-ei


      o juiz apalermado

      com o cu bem apertado

      de inquietação e medo

      disse

      nasrudin

      podes considerar-me

      convertido à tua religião

      inclui-me entre os fundadores



***



      nasrudin tinha um escravo que fugiu

      e que procurou por todo o lado

      sem em lugar algum o encontrar


      pensou

      para onde tenha ido

      para onde tenha fugido

      foi ele que ficou a perder

      assim não deixará nunca

      de ser meu legítimo escravo


      se não tivesse fugido

      mais dia menos dia

      tinha-lhe concedido a liberdade



***



      ofereceram ao rei

      um cavalo maravilhoso


      ninguém o conseguia domar


      nasrudin estava presente

      e disse

      ninguém entre vós tem a coragem

      de montar este belo animal


      e tu nasrudin


      eu     eu por alá

      eu também não

      respondeu o mulá



***



      nasrudin montava o seu burro

      virado para o rabo do animal


      o povo olhava


      porque é que vais assim sentado


      eu não estou montado ao contrário

      o burro é que vai no sentido errado



***



      roubaram um queijo salgado a nasrudin

      que de imediato

      correu para a fonte do povoado

      e por horas ali ficou


      porque é que vieste a correr para aqui

      e daqui não sais

      perguntou-lhe um homem

      que estava sentado à beira da nascente


      venho sempre à fonte

      depois de comer queijo salgado

      deixa que o ladrão

      também tem de aparecer



***



      um familiar do mulá

      adoeceu


      perguntaram a nasrudin

      pelo seu estado de saúde


      primeiro curou-se

      depois morreu



***



      nasrudin tinha a casa

      cheia de pulgas   de baratas 

      e de ratos


      tudo fez para se libertar deles

      e nada


      um dia a casa incendiou-se

      e foi totalmente destruída pelas chamas


      nasrudin suspirou de alívio

      e muito feliz dizia

      graças a alá

      a casa toda queimada

      agora já não há

      pulgas nem ratos

      nem nada

      não há sequer baratas



***



      nasrudin pegou numa escada

      encostou-a a um muro

      e entrou numa horta que não era dele


      começou a arrancar vegetais

      e eis que apareceu o dono que gritou


      que estás aqui a fazer


      ando a vender escadas


      estás doido     enlouqueceste

      desde quando se vendem escadas aqui


      nasrudin respondeu

      a escada à minha

      deixa de me dar lições

      vendo-a onde eu quiser

      é assim ou não



***



      um ladrão entrou

      em casa de nasrudin


      pouco havia

      naquela pobre residência


      na praça os homens viram-no entrar  

      e gritaram

      nasrudin entrou um ladrão na tua casa


      deixem-no entrar

      porque se encontrar alguma coisa de valor

      será uma graça de alá

      e também eu ficarei a ganhar



***



      debaixo de um alperceiro

      perguntaram a nasrudin

      que frutos dá esta árvore


      por alá

      não sabeis

      dava ovos

      mas com a geada

      caiu-lhe a casca e a clara



***



      nasrudin transportava numa mão

      um pedaço de carne acabada de comprar

      na outra uma receita que lhe tinham dado


      um abutre em voo rasante

      roubou-lhe o precioso bocado


      tolo

      gritou o mulá

      esse pedaço era meu

      levaste a carne

      mas quem tem a receita sou eu



***



      nasrudin dormitava

      à sombra de uma árvore


      que árvore é esta

      perguntaram


      é uma bela árvore disse

      enquanto uma ave defecou

      sobre o manto de nasrudin

      um monte de fezes brancas


      olhou seriamente

      para quem lhe tinha perguntado

      e disse

      não sabes que árvore é esta


      não


      vejam

      mostrando a bosta branca no seu manto

      é a árvore do iogurte



***



      perguntaram a nasrudin

      o que acontece às luas velhas

      transformam-se em quê


      asno     não sabes

      pega-se numa tesoura

      cortam-se em pedaços

      e fazem-se estrelas



***



      nasrudin negociava ovos

      comprava dez ovos por uma moeda 

      depois vendia-os no mercado

      doze ovos pela mesma moeda


      perguntavam-lhe os amigos

      compras dez e vendes doze pelo mesmo preço

      que raio de negócio é esse

      isso é perder ou ganhar


      eu sei

      mas deste modo todos vêm 

      o meu negócio a prosperar



***



      nasrudin parou para urinar

      num caminho onde havia uma fonte

      cuja água corria em fio

      fazendo um leve ruído


      nasrudin ficou por ali

      uma tarde e uma noite

      pensando o pobre diabo

      que continuava a urinar


      passou por ali um grupo de pessoas

      que estranharam a postura do mulá

      e lhe perguntaram o que fazia


      disse-lhes

      eu já não sou nasrudin

      agora sou uma fonte


      ora de onde jorra a água do teu corpo

      meu tresloucado


      não ouvem o sussurro da água

      que cai na pedra

      suas abantesmas



*** 



      perguntaram


      nasrudin

      é verdade que o milhafre

      é macho num ano

      e fêmea no ano seguinte


      façam a pergunta 

      a quem já foi milhafre

      a mim não

      respondeu nasrudin

      enfadado



***



      nasrudin

      tinha uma galinha

      e vários pintainhos 


      um dia

      num manto preto

      abriu vários buracos

      e em cada um pôs

      de fora a cabeça de um pinto


      vendo-o em tal figura

      perguntaram-lhe o que se passava


      a mãe morreu

      os pintos estão de luto



***



      uma mãe e um filho

      visitaram nasrudin


      o meu filho é viciado em doces

      podes fazer com que pare de os comer


      nasrudin pediu-lhe que voltasse

      passado uma semana


      a mãe da criança estranhou o pedido

      mas nada disse


      voltando na semana seguinte

      o mulá com autoridade disse ao rapaz

      não voltes a comer doces     ouviste bem


      a mãe agradeceu

      mas intrigada perguntou ao mulá

      por que os fez vir uma semana depois


      sim    sim tem razão

      mas na passada semana

      eu ainda comia muitos doces



***



      nasrudin andava a viajar sem rumo

      e entrou numa cidade


      há três dias 

      que nada comia


      perguntaram-lhe o que fazia


      sou médico     disse


      se és médico vem connosco

      vamos ver o filho do rei que está doente


      no palácio nasrudin pediu

      pão manteiga e mel

      para fazer um remédio milagroso


      misturou o mel com a manteiga

      barrou o pão

      e começou a testar em si mesmo

      tal mezinha


      enquanto comia alguém gritou

      o príncipe já morreu


      ele morreu e eu também morreria

      se esta mistela não tivesse comido



***



      nasrudin caminhava

      quando viu um moinho de vento


      nunca na sua vida

      tinha visto algum

      ou coisa assim


      aproximou-se um viajante

      e o mulá perguntou

      como chamam a esta casa que vejo


      moinho de vento


      e donde vem a água que faz mover o moinho


      este moinho é de vento

      insistiu o viajante


      compreendi 

      disse nasrudin

      mas de onde vem a água



***



      nasrudin foi beber água a uma fonte

      onde tinham enfiado um pau

      e onde corria um fio de água


      retirou-o e a água jorrou com força

      encharcando-o


      disse

      ah afinal corres com força

      já percebi porque te castigaram

      enfiando-te um pau na boca



***



      um vizinho

      queixou-se a nasrudin


      estou perdido

      não sei o que fazer

      a minha casa é tão pequena


      vivemos nela

      eu e a minha mulher

      e ainda três filhos


      todos reclamam

      da pobreza

      e da casa a estreiteza


      diga-me mulá

      o que posso fazer


      fácil de resolver

      tem galinhas no quintal


      tenho algumas


      leve-as para dentro de casa


      mulá

      ainda vai ser pior


      faça o que digo


      um dia depois

      o homem visitou o mulá

      visivelmente abalado

      tudo piorou


      tem um burro


      tenho sim mulá


      ponha-o dentro de casa


      mas mulá     mas


      faça o que lhe digo

      leve-o para dentro e logo se verá


      dois dias depois visitou o mulá

      desesperado e atormentado

      nada havia melhorado

      pelo contrário

      tudo se havia agravado


      tem mais algum animal

      temos uma cabra um bode e dois cabritos


      leve-os para casa também


      nossa    reclamou o vizinho

      e voltou logo na manhã do dia seguinte


      mulá tudo o que me fez fazer

      só agravou a situação

      os meus filhos não me falam

      e gritam a toda a hora

      a minha mulher quer-me bater e trata-me mal

      é a confusão total

      até eu estou a endoidecer


      vamos lá resolver o problema

      disse o mulá 

      ponha de novo

      todos os animais no quintal

      e no curral


      nesse dia 

      aquela família ficou feliz

      e nunca mais reclamou da falta de espaço



***



      nasrudin comprou

      fígado no mercado


      voltava para casa

      quando um milhafre

      lho arrancou das mãos


      aproveitou para passear na praça

      eis que aparece um homem

      com um pedaço de carne na mão


      sem mais

      nasrudin tirou-lhe a carne

      e fugiu


      o outro perseguiu-o

      e acabou por o agarrar


      nasrudin

      porque é que me tiraste a carne


      fizeram-me o mesmo

      mas como não sou um milhafre

      e não consigo voar

      fui apanhado



***



      nasrudin

      vivia numa aldeia


      os aldeões acabaram

      por se desgostar das suas ideias

      e resolveram expulsa-lo da localidade


      queixaram-se ao juiz que o chamou

      e que o intimou a mudar de lugar


      meritíssimo eu é que não gosto deste povo

      eles que se vão embora


      mas eles são muitos

      e tu és um só


      mais uma razão

      juntos podem construir um novo povoado

      e eu sozinho o que posso fazer

      estou velho e sem forças

      para construir uma casa nova

      novo jardim e nova horta



***



      nasrudin sentiu-se mal

      e dirigiu-se para casa do médico


      ao passar junto ao cemitério

      encontrou o clínico


      doutor estou doente


      vem comigo para te observar


      o mulá notou que à porta do cemitério

      o médico virou a cara e fechou os olhos


      curioso perguntou

      porque o fez


      enfim

      nasrudin

      tento não reconhecer

      alguns que aqui estão

      por causa da minha poção


      o mulá estancou

      alto lá    pensou

      e disse

      doutor

      estou melhor

      já me passou

      e voltou para trás



***



      um amigo de nasrudin

      foi dele despedir-se


      vou partir para outra cidade

      dá-me o teu anel

      para que me possa lembrar de ti

      sempre que para ele olhar


      não é boa ideia   disse nasrudin

      podes perdê-lo e esquecer-te-ás de mim

      não to dando 

      cada vez que olhares para o dedo

      e não o vires

      pensarás

      olha o dedo onde o nasrudin tem um anel

      assim nunca me esquecerás



***



      nasrudin passava

      na margem de um rio

      quando apareceram dez cegos

      que lhe pediram para os ajudar

      a atravessar para a outra margem

      e lhe ofereceram uma moeda por cada um


      nasrudin aceitou

      ordenou que todos dessem as mãos

      e o seguissem


      eis que um dos cegos com água até à cintura

      escorregou e foi levado pela forte corrente


      os outros cegos gritavam

      mas não podiam fazer nada


      nasrudin com calma

      e sem se alarmar

      disse

      não o conseguimos salvar

      não se apoquentem

      para quê essa aflição

      dão-me uma moeda a menos

      e o negócio fica certo



***



      os discípulos de nasrudin

      disseram 

      as tuas histórias

      estão cheias de sentidos ocultos

      de tantos mistérios 

      e mais ainda 

      de grandes verdades


      claro que não


      não porquê mulá


      porque em momento algum

      falei verdade

      nem por uma única vez

      e nunca serei capaz de o fazer



*** 




5/2021





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