ANTIPOESIA

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quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

UPANISHADS I

 

 

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ISHA

o regente interior

 

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no coração de todas as coisas

de tudo o que existe e persiste neste universo

habita deus            só ele e apenas ele

              é a realidade

       o coração no coração

 

rejeita as aparências infundadas e exulta nele

           

não ambiciones a riqueza de ninguém

 

aquele que age sem apego

   e que mais de cem anos viver

      que executou o seu trabalho

         com devoção e sem desejo

            que não permanece ansioso

               pelos seus frutos

pode dizer ao mundo que existiu saciado

bem-amado                 bem-aventurado

 

 

quantos mundos abundam sem sóis

      velados pela negrura do espaço

            para esses mundos vão e vagueiam

                  depois da morte

os

ignorantes que assassinam o atman

os de alma imunda

os de mente corcovada

 

o atman é um só e só há um atman

sendo estático move-se mais veloz que o pensamento

os sentidos não o alcançam            é sempre primeiro

quieto ultrapassa tudo o que anda e corre

 

sem o atman não há vida

sem o atman não há nada

 

para o insensato

   o atman aparenta

      deslocar-se

embora não se mova

   está muito distante

      se bem que esteja próximo

 

                 o ignorante não o vê

 

                        está dentro e fora de tudo

                        leve como o ar

                        macio como o veludo

 

abençoado o que contempla todos os seres no atman

                  e o atman em todos os seres

                   esse não abomina ninguém

 

            para a alma iluminada o atman é tudo

                   e tudo é atman e só o atman

 

não pode haver ilusão quando a harmonia impera

não pode haver pesar quando tudo se agrega

                                     num mesmo lugar

 

o atman está em toda a parte

é radioso                  imaterial

sem mácula              imperfeição

sem ossos                cartilagens

sem carne                ou órgão

é puro e o mal não o pode afectar

 

aquele que vê

  aquele que pensa

    aquele que está acima de tudo

      o que existe por si

        é o que determinou a ordem perfeita

          entre objectos e seres

            desde o tempo que não tem princípio

             desde o tempo que não tem fim

                      tempo sem tempo

 

às trevas estão destinados

   os que tão-somente se consagram

à vida no mundo

e a negrume ainda maior

   os que se entregam

apenas à meditação

 

       viver unicamente no mundo leva a um resultado

                     meditar apenas a outro

                    assim falaram os sábios

                 no saber que lhes foi doado

 

aqueles que se consagram

   tanto à vida no mundo

      como à meditação

        através da vida no mundo superam a morte

        através da meditação obtêm a imortalidade

 

à escuridão estão destinados

   os que veneram o corpo e

      a uma escuridão ainda maior

         os que veneram apenas o espírito

 

venerar unicamente o corpo tem uma consequência

        venerar simplesmente o espírito tem outra

                  disseram-no os sábios

 

os que reverenciam corpo e espírito

pelo corpo vencem a morte e

pelo espírito atingem a imortalidade

 

simples e sábia verdade

 

    a face da verdade está oculta por brahman

      desvela-a para que te possa contemplar

         desvenda-a para que te possa amar

       contempla-a para que o possas habitar

             liberto da aparência e da ilusão

 

o teu corpo serão cinzas arrastadas pelos ventos

lembra-te de brahman e das tuas acções

praticadas em todos os momentos da tua vida

 

invoca agni no momento da morte

que conhece todos os teus actos

roga-lhe a felicidade e a extinção do pecado

a libertação da reencarnação

 

 

 

***

 

 

 

 

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KENA

quem é que move o mundo

 

****

 

 

quem conhece

o poder de brahman

torna-se imortal

 

 

quem é que dirige a mente

   para que dela nasçam

      tantos pensamentos

 

quem é que faz com

   que a língua fale

      expressando ideias

          opiniões

            e reflexões

 

quem é que dispõe para

                           que o corpo tenha existência

 

quem é o ser cintilante

                           que encaminha os olhos

à forma e à cor e os ouvidos ao som

 

                     o eu

          é o ouvido do ouvido

            a mente da mente

               a fala da fala

           o alento do alento

              o olho do olho

 

   se abandonares a falsa identificação do eu

      com os sentidos e com a mente

        conhecendo que o eu é brahman

          quando abandonares este mundo

   serás como o que não tem princípio nem fim

          terás atingido a imortalidade

 

                       os olhos não o olham

                       a língua não o revela

                       a mente não o alcança

 

   não é conhecido

   não pode ser ensinado

   é diferente do conhecido

   diferente do desconhecido

                foi o que disseram os iluminados

 

o que não pode ser mencionado por palavras

mas pelo qual a língua fala é brahman

   brahman não é aquele que é venerado pelos homens

 

aquele que não é conhecido pela mente

mas pelo qual a mente conhece é brahman

   brahman não é aquele que é venerado pelos homens

 

aquilo que não é visto pelos olhos

mas pelo qual os olhos vêem

entende que é brahman

   brahman não é aquele que é venerado pelos homens

 

aquilo que não é ouvido pelos ouvidos

mas pelo qual os ouvidos ouvem

sabe que é brahman

   brahman não é aquele que é venerado pelos homens

 

aquilo que não é guiado pelo alento vital

mas pelo qual o sopro vital é conduzido

sabe que é brahman

   brahman não é aquele que é venerado pelos homens

 

   se julgas que conheces a verdade de brahman

   sabe que o teu conhecimento é pouco ou nada

        

o que pensas ser brahman no teu eu

o que pensas ser brahman nos deuses

não é brahman

 

tens de conhecer a verdade

e não a aparência

de brahman

 

              não posso dizer que conheço brahman

                     em toda a sua magnificência

                não posso dizer que o não conheço

 

aquele que melhor o conhece

      compreende no seu coração

            que nem sequer sabe que o não conhece

 

aquele que em verdade conhece brahman

é o que sabe que ele

está para além de todo o conhecimento

 

aquele que pensa que sabe não sabe

 

o insensato pensa que brahman pode ser conhecido

todavia o iluminado sabe

      que ele está para além de todo o conhecimento

 

aquele que compreende a vida de brahman

   resultado das acções do seu ser

      sensações percepções ou pensamentos

         é esse a quem a imortalidade é concedida

 

conhecendo brahman adquire o poder

pelo conhecimento de brahman alcança

a vitória sobre a morte

     

bem-aventurado seja o homem

      que ainda em vida

         compreende brahman

  

o homem que o não compreende

   padece de uma enorme perda

 

quando se apartam desta vida

   os iluminados que compreenderam brahman

      como o eu em todos os seres

         transformam-se em seres imortais

 

 

          conta-se que os deuses

          venceram os demónios

          pelo poder de brahman

 

          envaideceram-se

          a si atribuindo

          a glória do combate

 

          brahman vendo a sua vanglória

          apareceu-lhes e

          eles não o reconheceram

 

os deuses pediram ao deus do fogo

que descobrisse quem era o espírito ininteligível

 

   o deus do fogo acercou-se

   do espírito

   que o questionou

   quem és tu e qual o teu poder

 

      sou o deus do fogo

      posso queimar tudo o que se manifesta na terra

 

         o espírito colocou na sua frente uma palha

         disse      queima esta palha

         o deus do fogo não a conseguiu queimar

 

junto dos outros deuses disse

este espírito é incompreensível

 

os deuses fizeram o mesmo pedido

ao deus do vento

      que se aproximou do espírito

      que o questionou

 

         quem és tu e qual é o teu poder

  

            sou o deus do vento

            voo célere

            atravessando os céus

 

            posso arremessar para os confins da terra

            tudo o que encontre à sua face

 

o espírito colocou na sua frente uma palha

disse      sopra esta palha

 

o deus do vento não a conseguiu mover

 

junto dos outros deuses disse

este espírito é impenetrável

 

então

os deuses pediram

ao maior de todos os deuses

que descobrisse quem era

o espírito indecifrável

 

      indra abeirou-se do espírito

      e o espírito desapareceu

 

         no seu lugar apareceu a deusa-mãe

         bela como a mais pura beleza

 

            indra contemplando-a com espanto

            questionou-a

 

               que espírito surgiu no nosso seio

 

era brahman e por ele obtivestes a vitória

por intermédio dele obtivestes a glória

 

            o deus do fogo

           o deus do vento

                e indra

       reconheceram brahman

antes de todos os outros deuses

  sendo os maiores entre eles

 

                     mas o supremo é indra

                 por mais perto ter estado dele

             e por ter sido o primeiro a reconhecê-lo

 

 

o poder de brahman

   aparece em tudo na natureza

o poder de brahman

   aparece em todos os movimentos da mente do homem

 

admirável nas coisas e nos seres

 

o homem deve meditar em brahman noite e dia

e só o que nele medita dia e noite dele é digno

 

o conhecimento secreto de brahman

foi-te revelado

                    integridade 

                    controlo de si

                    desapego na acção

                    austeridade

 

este é o seu corpo

      os vedas os seus membros

            a verdade a sua alma

 

 

aquele que adquire o conhecimento

de brahman

que se liberta do mal

pode olhar sem se ofuscar

o que é eterno e supremo

 

 

 

***

 

 

 

****

 

KATHA

A morte como mestre

 

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O segredo da imortalidade

   é encontrado

      na purificação do coração

         na meditação

         na realização da identidade

         do eu interiormente

         e de brahman exteriormente

 

a imortalidade

é simplesmente

a união com deus

 

 

num dia de primavera vajasrabasa

crendo alcançar uma graça divina

cumpriu um rito que lhe impunha

que se desfizesse de todos os seus bens

 

teve o cuidado de sacrificar somente o seu gado

e do seu gado unicamente os animais sem valor

animais velhos   infecundos   invisuais   aleijados

 

nachiketa seu filho mais novo

   ao ver tanta avareza

      contrária às escrituras

 

pensou

 

um homem que cumpre um ritual

com presentes inúteis

está destinado à noite eterna

 

e disse

 

meu pai também eu vos pertenço      a quem me doareis

 

 

dar-te-ei à morte

disse o pai

 

 

nachiketa disse para si mesmo

 

sou de facto o melhor dentre os filhos

e discípulos de meu pai

ou estou pelo menos na categoria intermédia

 

se não na melhor

   também não na pior

                                 que valor terei

                                 para o rei da morte

 

pai não deploreis

   a vossa promessa

      considerai como tem acontecido

         com aqueles que partiram antes

            e como será com aqueles que agora vivem

 

como o milho

um homem amadurece

e cai ao solo

 

como o milho

ele brota novamente

na estação propícia

 

      após assim falar

      o rapaz viajou para a casa da morte

      e teve de aguardar pelo seu rei

      durante três dias e três noites

 

o rei da morte saudou o brahmin e disse

 

   passastes três noites em minha casa

   e não recebestes a minha hospitalidade

 

      pedi portanto três dádivas

      uma por cada noite

 

 

nachiketa disse

 

morte

que assim seja

 

como primeira dessas dádivas

   peço que meu pai

      não fique ansioso a meu respeito

         que a sua ira se acalme

            e quando me mandares de regresso

               que ele me reconheça

                  e me dê as boas-vindas

 

a morte disse

 

                  por minha vontade

                  vosso pai

                  reconhecer-vos-á

                  e amar-vos-á como antes

 

      ao ver-vos vivo

      ficará com a mente tranquila

      e dormirá em paz

 

nachiketa disse

 

                    no céu não há medo

                    seja do que for ó morte

                    ensinai-me o sacrifício

                    do fogo que leva ao céu

                    para que não mais viva

                    onde não há fome e sede

         dor      doença     velhice      sofrimento

 

onde o simples pensamento

de envelhecer

faz com que todo o meu corpo

estremeça

 

este é o meu segundo desejo

 

 

         a morte ensinou a nachiketa

         o sacrifício do fogo com

         todos os seus rituais

 

         no fim

         a morte disse

 

    concedo-te uma dádiva adicional

    a partir de hoje este sacrifício chamar-se-á

    sacrifício nachiketa

    assim te homenageio

 

escolhe a terceira dádiva

 

 

nachiketa disse

 

quando um homem morre

há esta dúvida atormentadora

 

alguns dizem que ele existe

outros dizem que ele não existe

 

ensina-me a verdade

 

esse o meu terceiro desejo

 

 

a morte disse

 

                    este mistério

                    que te atormenta

                    intriga até os deuses

                    e é de compreensão

                    quase impossível

 

 

escolhe outra dádiva      nachiketa

 

 

nachiketa disse

 

morte

        vós dizeis que até os deuses

        ficam intrigados com este mistério

        e que não é de fácil compreensão

 

          haverá melhor mestre

          para o explicar

          do que vós

          que sois o rei da morte

 

haverá porventura qualquer dádiva que se iguale a esta

 

o rei da morte disse

 

                 pedi filhos e netos que viverão cem anos

                 pedi gado      elefantes      cavalos      ouro

                 pedi um reino imenso e poderoso

 

pedi não apenas doces prazeres

      mas também o poder

            além de qualquer pensamento

                   para experimentar sua doçuras

 

      farei de vós

      o supremo desfrutador

      de todas as coisas excelentes

 

não me peçais nachiketa

o mistério da morte

 

nachiketa disse

 

essas coisas durarão

somente até ao dia seguinte

ó destruidor da vida

e os prazeres que elas conferem

desgastam os sentidos

 

como poderá desejar a riqueza

rei da morte

                  aquele que por uma vez

                  já viu a vossa face

 

a dádiva que escolhi peço

 

     tendo descoberto a companhia

          do imperecível e do imortal

                como quando vos conheci

                     como poderei eu sujeito

                           à decadência e à morte

e conhecendo bem a vaidade da carne

como poderei desejar uma vida longa

 

 

o rei da morte começou a ensinar

a nachiketa o segredo da imortalidade

 

o bem é uma coisa

o prazer é outra

 

estes dois diferindo nos seus propósitos

incitam à acção

 

abençoados são aqueles

que escolhem o bem

 

aqueles que escolhem o prazer

não atingem o objectivo

 

bem e prazer

apresentam-se ao homem

 

os sábios após examinarem ambos

distinguem um do outro

 

os sábios

preferem o bem ao prazer

 

os tolos guiados

por desejos carnais

preferem o prazer ao bem

 

vós ó nachiketa após haverdes

   observado os desejos carnais

      agradáveis aos sentidos

         renunciastes a todos eles

 

vós desviastes-vos do caminho lamacento

no qual muitos homens se atolam

 

distantes um do outro

            e levando a diferentes desígnios

encontram-se a ignorância

            e o conhecimento

 

eu considero-vos ó nachiketa

      como alguém

            que anseia pelo conhecimento

                  já que uma infinidade

                        de objectos agradáveis

                            foram incapazes de vos tentar

 

 

vivendo no abismo da ignorância

embora julgando-se sábios

tolos iludidos dão voltas e voltas

cegos que conduzem cegos

 

            ao jovem inadvertido

            traído pela vanglória

            das possessões terrenas

            não é indicado o caminho

            que leva à eterna morada

 

      somente este mundo é real

      não existe porvir

                             pensando assim ele cai

                                       uma e outra vez

nascimento após nascimento

dentro das minhas mandíbulas

 

      a muitos não é outorgado

      ouvir sobre o eu

 

      muitos embora ouçam a seu respeito

      não o abarcam

 

maravilhoso é aquele

                             que fala a respeito do eu

 

inteligente é aquele

                             que aprende a respeito do eu

 

      a verdade sobre o eu

      não pode ser

      plenamente entendida

      quando ensinada

      por um homem ignorante

 

                as opiniões a seu respeito

                não fundadas no conhecimento

                divergem de um para outro

 

mais subtil do que o mais subtil

                 é esse eu

que está para além de toda lógica

 

ensinado por um mestre

que saiba que o eu

e brahman são um só

 

o homem deixa para trás

a vã teoria

e atinge a verdade

 

o despertar que conhecestes

      não vem do intelecto

            vem dos lábios dos sábios

 

                 bem-amado nachiketa

                        abençoado sois vós

                              porque procurais o eterno

 

bem sei

que os tesouros terrestres

duram pouco

 

a finalidade do desejo mundano

   os objectos resplandecentes

      que todos os homens ambicionam

         os prazeres celestiais que esperam granjear

            através de rituais religiosos

               tudo isso esteve ao vosso alcance

               a tudo isso renunciastes com firme resolução

 

o espírito

que habita internamente

que é imperceptível

visceralmente oculto

no lótus do coração

é difícil de ser conhecido

 

         o homem sábio

         que segue

         o caminho da meditação

         conhece-o

e liberta-se

tanto do prazer como da dor

 

      o homem que aprendeu

      que o eu está separado do corpo

      dos sentidos e da mente

      e que o conheceu integralmente

      tem as portas da felicidade abertas

 

 

nachiketa disse

 

                    ensinai-me ó rei

                    o que está para além do certo e do errado

                    para além da causa e do efeito

                    para além do passado

                    do presente e do futuro

 

o rei da morte

disse

 

do objectivo

proclamado pelos vedas

dir-te-ei

 

      ele é       aum

      esta sílaba é brahman

      esta sílaba é suprema

      aquele que a conhece

      realiza o seu desejo

 

ela é o maior dos auxílios

é o símbolo mais elevado

 

aquele que a conhece é reverenciado

como um conhecedor de brahman

 

o eu cujo símbolo é aum

   é deus omnisciente

                              o que não nasce

                              o que não morre

                              o que não é nem causa nem efeito

 

esse ser primordial

           não nasceu

               é eterno

 

embora o corpo seja destruído

ele não é aniquilado

 

se o assassino pensa que mata

se o assassinado crê que é morto

nenhum dos dois conhece a verdade

 

o eu não mata

nem é morto

 

menor do que o menor

maior do que o maior

o eu habita para sempre

no coração de todos

 

quando um homem está livre de desejos

com a sua mente e os seus sentidos purificados

observa a glória do eu e vive sem padecimento

 

   apesar de sentado

   viaja para longe

   embora repousando

   move todas as coisas

 

      não possui forma

      embora habite a forma

 

         no seio do transitório

         conserva-se permanente

 

o eu é supremo

e tudo penetra

 

o sábio conhecendo-o

na sua verdadeira natureza

transcende a dor

 

o eu

não é conhecido através do estudo das escrituras

nem através da subtileza do intelecto

nem através de muita ciência

 

é conhecido por aquele que por ele anseia

e a ele se revela na sua magnificência

 

um homem não o poderá conhecer

através da aprendizagem

                                  se não renunciar ao mal

                                  se não controlar os seus sentidos

                                  se não acalmar a sua mente

                                  se não praticar a meditação

 

          para o eu

          brahmins e kshatriyas

          são apenas alimento

          e a morte é em si

          um condimento

 

tanto o eu individual

como o eu universal

penetraram na caverna do coração

 

      possamos nós nachiketa realizar o sacrifício

      que transpõe o mundo do sofrimento

      possamos nós conhecer o imorredoiro brahman

      que nada teme e que é o objectivo

      e abrigo de todos os que buscam a libertação

 

sabei que o eu é o cavaleiro

   que o corpo é a carruagem

      que o intelecto é o cocheiro

         que a mente são as rédeas

 

            os sentidos dizem os sábios

                são os cavalos

            os caminhos

                são os labirintos do desejo

 

os sábios consideram o eu

como aquele que se delicia

quando está unido ao corpo

aos sentidos e à mente

 

quando um homem

   não possui discernimento

      e tem a mente malgovernada

         os seus sentidos são ingovernáveis

            como os cavalos rebeldes de um cocheiro

 

     o que não detém critério

     cuja mente está abalável

     cujo coração está poluído

     nunca atinge o objectivo

 

nasce sempre de novo

 

           aquele

           que possui discernimento

           cuja mente está firme

           cujo coração é puro

           atinge a meta

 

e após tê-la alcançado

não nasce nunca mais

 

o homem

             que possui uma compreensão consistente

como cocheiro

             com uma mente controlada

como rédeas

         atinge a morada suprema de brahman

                     o que tudo permeia

 

brahman é a causa sem causa

brahman é o fim da jornada

brahman é a meta suprema

 

          os sentidos do homem sábio

          obedecem à sua mente

          a sua mente obedece ao intelecto

          o seu intelecto obedece ao ego

          o seu ego obedece ao eu

 

acordai

   o caminho é como

      a lâmina afiada

         de uma navalha

é estreito e difícil de trilhar

 

sem som

sem forma

impalpável

perdurável

sem sabor

sem odor

eterno

sem princípio

sem fim

inalterável

assim é o eu

 

quem o conhece está livre da morte

 

o que existe por si fez com que os sentidos

                     se voltassem para o exterior

 

o homem olha para o exterior e não vê

                        o que está no interior

 

raro é o que ansiando pela imortalidade

cerra os olhos para o exterior e contempla o eu

 

     os tolos seguem

     os desejos da carne

     e caem na armadilha da morte

     que tudo abarca

 

     os sábios sabendo que o eu é eterno

     não procuram as coisas passageiras

 

        aquele através de quem o homem vê

        saboreia      cheira      ouve      sente e tem prazer

        é o senhor omnisciente

 

é o eu imortal

 

quem o conhece

conhece todas as coisas

 

     aquele através de quem o homem

     vivencia os estados de sono ou de vigília

     é o eu que tudo permeia

 

quem o conhece não mais sofrerá

 

aquele que sabe

     que a alma individual

que aproveita

     os frutos da acção

é o eu que está sempre presente

     no coração            interiormente

que é o senhor do tempo

     do passado e do futuro

expulsa de si todo o medo

pois esse eu

é o eu imortal

 

     aquele que vê o que nasceu primeiro

     nascido da mente de brahman

     nascido antes da criação das águas

     e o vê habitar o lótus do coração

     vivendo entre elementos físicos

     contempla brahman

 

é certo que

o primeiro a nascer

é o eu imortal

 

o ser que é o poder de todos os poderes

que nasceu como a potência de todas as potências

que se incorpora nos elementos e neles existe

que penetrou no lótus do coração

é o eu imortal

 

aquele no qual o sol se levanta

   no qual se põe aquele que é a fonte

      de todos os poderes da natureza e dos sentidos

         aquele que não pode ser transcendido por nada

é o eu imortal

 

   o que está dentro de nós

   também está fora de nós

 

   o que está fora

   também está dentro

 

      aquele que vê diferença

      entre o que está dentro

                                  e o que está fora

      segue eternamente

      de morte para morte

 

brahman só pode ser alcançado

              pela mente purificada

 

brahman é

nada mais é

 

   aquele que vê o universo múltiplo

      e não vê a única realidade

         segue eternamente de morte para morte

 

            aquele ser do tamanho de um polegar

               habita profundamente dentro do coração

 

é o senhor do tempo

do passado e do futuro

quem o alcança nada mais teme

 

é o eu imortal

 

aquele ser do tamanho de um polegar

       é como uma chama que não faz fumo

senhor do tempo

do passado e do futuro

do hoje e do amanhã

 

é o eu imortal

 

como a chuva

   que cai numa colina

      com torrentes

         descendo pelos flancos

            assim corre aquele que

               depois de muitos nascimentos

                       vê a multiplicidade do eu

               como a água pura derramada

            dentro da água pura

         permanece pura

      o eu permanece puro

   ó nachiketa

quando se une com brahman

 

         ao que não nasceu

         cuja luz da consciência

         brilha para sempre

         esse que é o eu

 

   pertence à cidade de onze portões

                  ou seja

   ao corpo com os seus orifícios

 

         aquele que medita

         sobre o governante dessa cidade

         não conhece mais sofrimento

 

atinge a libertação

 

         para esse ser não pode

         mais haver nascimento ou morte

 

o governante dessa cidade é o eu imortal

 

   o eu imortal

      é o sol que brilha no céu

         é a brisa que sopra no espaço

            é o fogo que queima no altar

               é o hóspede que habita a casa

                  é o que reside em todos os homens

                      é o que vive nos deuses

                         é o que está no éter

é o que abunda onde superabunda a verdade

                         é o peixe que nasce na água

                      é a planta que cresce no solo

                  é o rio que jorra da montanha

               é a realidade imutável       o ilimitável

            é o venerável instalado no coração

         é o poder que dá o sopro vital

      é o que pode permanece

   é o eu imortal

 

o homem não vive unicamente do sopro vital

vive também

do poder do eu que está dentro dele

 

ouve nachiketa

 

           vou falar-te do que não pode ser visto

           o brahman omnisciente e eterno

 

           vou falar-te do que sucede

           ao eu depois da morte física

 

   dos que ignoram o eu

      alguns ingressam em seres que possuem ventre

          outros reencarnam em plantas

             em consonância com as suas acções

                e com a ampliação do seu conhecimento

 

     o que está desperto em nós

     enquanto dormimos

     modelando em sonho

     os objectos dos nossos desejos

esse é brahman

o puro e imortal

 

todos os mundos

têm nele os seus seres

e ninguém o pode transcender

esse é o eu

 

tal como o fogo

   apesar de ser único

      toma a forma

         de todos os objectos

            que consome

               também o eu

                   embora único

                       toma a forma

                           de todos os objectos

                               que habita

 

          assim como o sol

          que revela todos os objectos

          àquele que vê

          não é atingido pelos olhos do pecado

          nem pela impureza dos objectos que vê

          também o eu que é único

          habitando em tudo o que existe

          não é contaminado pelos males do mundo

          já que tudo transcende

 

é único

o senhor

o eu mais penetrante

 

a partir de uma forma

ele faz de si mesmo muitas formas

 

àquele que vê o eu revelado

no seu próprio coração

pertence a eterna bem-aventurança

 

ao que vê o eu revelado no seu próprio coração

pertence a paz eterna

e a ninguém mais

 

nachiketa disse

 

de que modo ó rei da morte

encontrarei esse bem-aventurado

esse eu supremo e intraduzível

que é alcançado pelos sábios

 

será que brilha por si mesmo

ou reflecte a luz de outro

 

o rei da morte disse

 

          o eu

          não é iluminado pelo sol

          não é iluminado pela lua

          não é iluminado pelas estrelas

          não é iluminado pelo relâmpago

          não é iluminado pelas fogueiras na terra

 

     é a luz

     que resplandece

     que a tudo

     proporciona luz

 

quando ele brilha

tudo brilha

 

   este universo é uma árvore

      que existe eternamente

         com as raízes voltadas para cima

              os ramos dispersados em baixo

 

a pura raiz da árvore

                             é brahman o eterno

em quem o céu a terra e o inferno

                             têm a sua existência

e a quem ninguém pode transcender

que é o eu

 

todo o universo

veio de brahman

move-se em brahman

 

para os que morrem

não há medo ou terror

quando conhecem brahman

 

     se um homem falha em alcançar brahman

     antes de abandonar o corpo

     esse corpo retornará ao mundo das coisas criadas

 

   na alma de uma criatura

      brahman é percebido claramente

         como se fosse visto num espelho

 

   no céu de brahman

      brahman é claramente percebido do mesmo modo

         como o homem que distingue a luz da escuridão

 

   no mundo dos espíritos dos mortos

       é contemplado como num sonho

 

   no mundo dos anjos aparece

      como se estivesse reflectido na água

 

os sentidos podem estar activos

   como no estado de vigília

          ou podem estar inactivos

                  como no sono

 

quem sabe que os sentidos

não são o eu imutável

não padece mais nesta e na outra vida

 

 

acima dos sentidos está a mente

acima da mente está o intelecto

acima do intelecto está o ego

acima do ego

está a semente não manifestada

a causa primordial

 

para além da semente não manifestada

está brahman

o espírito que tudo permeia

o incondicionado

 

     quem o conhece obtém a liberdade

     quem o conhece alcança a imortalidade

 

ninguém o contempla com os olhos

ele não tem forma que seja visível

 

é revelado no coração pelo autocontrolo e pela meditação

os que o conhecem tornam-se imortais

 

     quando todos os sentidos estão estáticos

     quando a mente está em repouso

     quando o intelecto não estremece

     esse é o estado eminente do devoto

 

a serenidade dos sentidos e da mente

foi definida como ioga

aquele que a alcança liberta-se da ilusão

 

no que não está livre da ilusão

essa serenidade é incerta e irreal

vai e vem e torna a ir e vir

 

as palavras não podem revelar brahman

a mente não o pode alcançar

os olhos não o podem ver

 

 

existem dois eus

o eu aparente

e o eu verdadeiro

 

     desses dois é o eu verdadeiro e unicamente ele

     que deve ser sentido como existindo realmente

          ao homem que o sentiu como existente

          ele revela a sua mais penetrante natureza

 

o ser mortal em cujo coração

o desejo está morto

torna-se imortal

 

o ser mortal em cujo coração

os nós da ignorância são desatados

torna-se imortal

 

estas são as verdades supremas das escrituras

 

   existem cento e um nervos

      que irradiam do lótus do coração

         desses nervos ascende

            o lótus de mil pétalas do cérebro

 

               se quando um homem morre

                  a sua força vital subir e passar

                     através desse nervo

                        vai atingir a imortalidade

 

                                 se a sua força vital

                            cruzar um outro nervo

                                             

o homem

vai para um outro plano da existência

e permanece sujeito ao nascimento e à morte

 

        a pessoa suprema

        do tamanho de um polegar

        o eu que habita

        a caverna dos corações

        de todos os seres

        é puro e sempiterno

 

tal como extraímos a seiva da cana

assim deve o aspirante à verdade

com grande perseverança

separar o seu eu do corpo

 

quem conhecer o eu que vive

na caverna mais profunda do coração

 

unir-se-á a brahman

não morrerá jamais

 

 

***


Versão livre dos Upanishads


***



 


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