ANTIPOESIA

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quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

FLORES DE BUDA I


 

A Sidarta Gautama

 

 

 

***

 

a mente anterioriza todos os estados mentais        a mente é a criadora dos estados mentais

por ela

todos são moldados

 

se o homem fala ou opera

com uma mente impura

o sofrimento segue-o

como a roda

segue os pés do boi

 

     se fala ou age

     com uma mente pura

     a felicidade segue-o

     como uma sombra

     inseparável do corpo

 

***

 

  ofenderam-me

          bateram-me

  ridicularizaram-me

          furtaram-me

 

          aqueles que acolhem

          tais pensamentos

          não conseguem

          serenar o seu ódio

 

               os que não abrigam

               tais pensamentos

               aquietam o seu ódio

 

neste mundo o ódio

nunca é aliviado pelo ódio

nunca o ódio põe fim ao ódio

 

o ódio é apaziguado

pela benevolência

pelo não-ódio

 

esta é uma lei eterna

 

***

 

muitos são os que não se capacitam

que um dia

todos teremos de morrer

 

   são muitos os que não divisam

      que a paciência nos torna pacientes

 

os que o compreendem

resolvem os seus conflitos interiores

 

 

assim como

   uma tempestade

      derruba uma árvore frágil

         o mesmo sucede quando a morte

            vence o homem

               que vive para o prazer

                  com os sentidos desgovernados

                     intemperado no comer

                        ocioso e desatento

 

assim como

   uma tempestade

      não estremece

         uma montanha rochosa

            da mesma forma a morte

               jamais submete o homem

                  que vive a meditar

                     sobre o sofrimento e a miséria

                     sobre o que é impuro e corrompido

                  que tem o autodomínio dos sentidos

               que é moderado no comer

            firme na sua fé

         e de comportamento virtuoso

 

 

quem for libertino

           destituído

           de autodomínio e verdade

           ao vestir o hábito do monge

           não é digno desse hábito

 

             quem quer que se tenha

             purificado da devassidão

             estabelecido na virtude

             pleno de autodomínio

             humildade e veracidade

             é merecedor desse hábito

 

***

 

   os que confundem

   o que não é essencial

   como sendo essencial

                               e o que é essencial

                               como não sendo essencial

   sustentando pensamentos desacertados

                     nunca atingirão o essencial

 

   aqueles que conhecem

   o essencial

   como sendo essencial

                              e aquilo que não é essencial

                              como não essencial

   nutrindo pensamentos correctos

                    atingirão o essencial

 

***

 

como a chuva penetra na casa

com uma má cobertura de colmo

também as paixões

invadem a mente que não vigia

 

como a chuva não penetra numa casa

bem edificada e com um bom telhado

também as paixões

não entram na mente que vela

 

***

 

o que produz o mal

padece no presente e no futuro

sofre nos dois mundos

 

     lembrando-se dos seus actos corrompidos

     oprimido pelo terror das más acções que cometeu

     lamenta-se e aflige-se com os seus remorsos

 

o homem que faz o bem

                               rejubila no presente e no futuro

                               exulta nos dois mundos

 

rememorando as suas acções puras

                               regozija-se e alegra-se

 

o que faz o mal

sofre no presente e no futuro

padece nos dois mundos

 

      o pensamento      eu fiz o mal

            mortifica-o e faz com que sofra ainda mais

quando renascer no reino da agonia

 

aquele que faz o bem

rejubila no presente e no futuro

é feliz nos dois mundos

 

o pensamento      eu fiz o bem

      extasia-o e delicia-o ainda mais

quando renascer no reino da bem-aventurança

 

***

 

   por muito que recite

   os textos sagrados

   se não agir nesse sentido

                            o homem descuidado

                            é como um pastor

                            que só conta as vacas dos outros

não beneficiando das bênçãos

de uma vida santa

 

   por pouco que recite

   os textos sagrados

                          tal homem

se puser em prática o ensinamento

enjeitando a carnalidade

o ódio e a ilusão

          com verdadeira sabedoria

          com um espírito livre

          sem estar apegado

          a nada deste ou de outro mundo

          participa das bênçãos de uma vida santa

          e soube praticar o ascetismo

 

 

a vigilância

                  é o caminho para a imortalidade

 

a negligência

                  é o caminho para a morte

 

os que vivem activamente vigilantes

                não morrem

 

os inconscientes

assemelham-se a cadáveres

já estão mortos em vida

 

 

      o sábio apreendendo

      a excelência da vigilância

      exulta e compraz-se

      na companhia dos puros

 

            o sábio sempre meditativo

            firmemente perseverante

            experimenta sozinho a felicidade

            a incomparável liberdade da escravidão

 

 

a glória cresce sempre

   naquele que é enérgico

      consciente

         e puro na sua conduta

            que tem discernimento

               e autodomínio

                  que é justo e que vigia

 

                 com esforço e vigilância

             disciplina e autodomínio

  deixai que o sábio crie para si

uma ilha que nenhum dilúvio

              possa submergir

 

os tolos e os ignorantes

entregam-se à negligência

 

o sábio mantém a vigilância

como seu maior tesouro

 

 

      não dês azo à negligência

      não te entregues aos prazeres sensoriais

 

         só quem vigia e medita

         é que obtém a felicidade

 

tal como alguém que observa

    do topo de uma montanha

  os pequenos seres humanos

  que estão em baixo na terra

         assim também

         sempre que o sábio

         troca a negligência pela diligência

         e sobe à torre do conhecimento

         liberto da tristeza

         contempla a multidão

         tola e sofredora

 

 

consciente

entre os inconscientes

desperto

entre os sonolentos

 

o sábio avança

como um cavalo veloz

superando os mais lentos

 

***

 

foi pela vigilância

que maghava

o rei dos deuses

se tornou

o soberano dos deuses

 

a vigilância é sempre elogiada

 

a negligência sempre desprezada

 

 

o monge

   que se compraz

      na vigilância

         e com temor

            olha para a negligência

               avança como o fogo

                  de todos os verões

                     queimando

                        todos os grilhões

 

     o monge

     que se compraz

     na vigilância

     e olha com medo

     para a negligência

     não cairá nunca

 

          esse monge

          está próximo

          do supremo

          aniquilamento

 

***

 

como um arqueiro

endireita a haste da flecha

também o homem firme

apruma a sua mente

volúvel e instável

tão difícil de domar

 

tal como um peixe

que retirado da água

salta e se debate

assim também

é a mente agitada

 

devemos abandonar

o reino do medo

da angústia da morte

 

 

maravilhoso é domar a mente

            tão difícil de subjugar

                        sempre veloz

apossando-se

de tudo o que deseja

 

uma mente controlada

traz a felicidade

 

deixa que o homem sensato

vigie a sua mente

tão difícil de detectar

e extremamente subtil

apossando-se de tudo o que deseja

 

uma mente vigiada

traz a felicidade

 

 

          permanecendo na gruta do coração

          a mente sem forma deambula

          para longe e sozinha

 

os que subjugam a mente

ficam libertos das cadeias da morte

 

 

na mente sem determinação

que não conhece o ensinamento

cuja fé oscila

a sabedoria nunca será perfeita

 

***

 

     não existe medo

     para aquele que despertou

 

          cuja mente

          não está embriagada

          pela lascívia

 

               nem atormentada

               pelo ódio

 

                    que superou

                    tanto o mérito

                    como o demérito

 

 

percebendo que o corpo

é tão frágil

como um vaso de barro

 

fortalecendo a mente

como uma cidade

bem fortificada

 

combate a morte

com a espada

da sabedoria

 

depois

preservando a conquista

mantém-te desapegado

 

***

 

cuidado

      em breve

            este corpo

                  se deitará

                     sobre a terra

 

                           ignorado

                       repelente

                     sem vida

        como um tronco

                     inútil

 

***

 

          seja qual for o dano

          que possa causar

          entre dois inimigos

          uma mente mal dirigida

          inflige a si mesma

          um dano ainda maior

 

 

      nem mãe

      nem pai

      nem qualquer outro parente

 

      ninguém pode fazer um bem maior

      do que cada um a si próprio

      com a sua mente

      bem direccionada

 

***

 

quem vencerá

      esta terra

                                 este reino

                                  de morte

                                             esta esfera de homens

                                                    e de deuses

 

quem alcançará

a perfeição

no bem doutrinado

caminho da sabedoria

tal como a florista

faria com perfeição

o seu arranjo floral

 

   aquele que se esforça

      no caminho

         há-de superar

            esta terra

               este reino

                  de morte

                     e esta esfera

                        de homens

                           e deuses

 

            aquele que se esforça

            no caminho

            há-de levar à perfeição

            o bem doutrinado

            caminho da sabedoria

            assim como a florista

            faria com perfeição

            o seu arranjo floral

 

 

percebendo

que este corpo

é como espuma

 

penetrando

   na sua natureza ilusória

                                    e arrancando

                                         as flechas

                                 da sensualidade

                                 do rei da morte

                           com flores na ponta

 

escapa-se

ao seu poder

 

 

   tal como uma inundação poderosa

   leva na torrente a aldeia que dorme

 

   também a morte leva na enxurrada

   o homem com a mente distraída

   que só arranca as flores do prazer

 

                                   o aniquilador tem o domínio

                    sobre a mente de um homem distraído

                      que com insaciáveis desejos sensuais

                          apenas arranca as flores do prazer

 

***

 

assim como a abelha recolhe o mel da flor

sem ferir a sua cor ou fragrância

assim o sábio recolhe alimento na aldeia

 

***

 

          que ninguém procure

          os defeitos dos outros

 

que ninguém examine

as acções e omissões

dos outros

 

que cada um

esteja atento

aos seus próprios actos

 

***

 

          tal como

          uma bonita flor

          cheia de cores

          mas sem odor

 

                        do mesmo modo

                são infrutíferas as palavras

                       íntegras e justas

                  de quem as não realiza

 

tal como

   uma bonita flor

      cheia de cor e com perfume

         do mesmo modo são produtivas

            as palavras íntegras e justas

               de quem as pratica

 

 

como de uma grande

quantidade de flores

se podem fazer

muitos arranjos florais

 

também

muitas acções bondosas

devem ser realizadas

por quem nasce mortal

 

***

 

não é o doce

cheiro das flores

                       nem sequer

                       o aroma do sândalo

                       ou do jasmim

                       que sopra contra o vento

 

é a fragrância

                   do homem de virtude

                   que penetra no próprio furacão

 

o homem virtuoso

atravessa todas as direcções

espalha-se por todos os lugares

com o bálsamo da sua virtude

 

de todos

   os aromas

      sândalo

         incenso

             lótus azul

                jasmim

 

de todos

o mais doce

é a virtude

 

débil

   é a fragrância

      do incenso

         e do sândalo

            mas excelente

              é a fragrância

                do virtuoso

flutuando

por entre os deuses

 

 

o rei da morte

nunca consegue

encontrar o caminho

do leito

de quem é virtuoso

que persevera diligentemente

e se liberta

pelo conhecimento perfeito

 

***

 

      sobre um monte de esterco

      na valeta à beira da estrada

      cresce um lótus agradável

      e com um odor magnífico

 

            do mesmo modo

            no monte de esterco

            dos mortais cegos

o discípulo daquele que se iluminou

de forma exímia brilha

resplandecente em sabedoria

 

***

 

longa é a noite para

                            aquele que não dorme

longa é a légua

                            para o homem fatigado

longa é a existência mundana

                            para os tolos

que não conhecem

a verdade sublime

 

 

se aquele que busca

   não encontra companhia

       melhor ou igual a si

         deixá-lo seguir

            um caminho solitário

               sem que se associe aos tolos

 

 

o insensato

              preocupa-se pensando

              eu tenho filhos

              eu possuo riqueza

 

   se nem ele próprio

   pertence a si próprio

                                 quanto mais

                                 os filhos ou a riqueza

 

 

um tolo que conhece a sua loucura

é sábio pelo menos até esse ponto

 

um tolo que se julga sábio

é seguramente um tolo

 

 

mesmo que um tolo se associe

                em toda a sua vida

            com um homem sábio

               ele não compreende

                      mais a verdade

                     do que a colher

            prova o sabor da sopa

 

                        mesmo que por apenas

em um momento

                        um homem com discernimento

se junte a um homem sábio

                        rapidamente compreende

a verdade como

                        a língua saboreia

o sabor da sopa

 

***

 

os tolos e os insensatos

de fraco discernimento

são inimigos de si próprios

 

     sempre que se movimentam

     produzem coisas reprováveis

     cujos frutos serão amargos

 

mal feita é a acção

que a seguir traz o arrependimento

cujo fruto se colhe com lágrimas

 

bem feita é a acção

que a seguir não traz o remorso

cujo fruto se colhe com alegria

 

 

enquanto uma má acção

                                  não tiver amadurecido

o tolo reconhece-a

                                  doce como mel

 

quando a má acção

                                  amadurece

o tolo apoquenta-se

 

 

mês após mês

um tolo pode comer

o seu alimento

com a ponta

de uma folha de erva

 

não tem o mérito

nem da décima sexta parte

daquele cujo pensamento

se alimenta da verdade

e atinge a compreensão

de todas as coisas

 

 

assim como o leite

   não azeda de repente

        um mau acto

não frutifica imediatamente

 

     encoberto segue o tolo

     como fogo

     coberto por cinzas

 

 

   para sua própria ruína

   o tolo ganha conhecimento

 

      abre uma fenda na cabeça

      e destrói a sua benevolência

 

o tolo busca

                 notoriedade indevida

                 prioridade entre os monges

                 domínio nos mosteiros

                 honra entre os chefes de família

 

 

que leigos e monges

pensem que

fui eu que fiz

 

sigam-me

 

esta é a ambição do tolo

e assim se amplifica

seu desejo e orgulho

 

***

 

uma coisa

              é a busca do lucro mundano

              outra coisa bem diferente

              é o caminho para o nirvana

 

que o monge

discípulo do buda

o entenda claramente

não se deixando arrastar

pelo louvor do mundo

mas em seu lugar

cultive o desapego

e se consagre à solidão

 

***

 

se alguém encontrar um homem que

               menciona os erros e que os reprova

que tão sábia e sagaz pessoa seja seguida

               como guia para o tesouro escondido

 

venerando um homem desta estirpe

                       colherás a felicidade

                        e não a desventura

 

      deixai-o prevenir

      ensinar outrem e

      preservar alguém

      do que é errado

 

ele é benquisto para os bons

e odiável para os maus

 

 

   não te juntes

   com más companhias

 

   não procures

   o que é vil e odioso

 

   junta-te

   com bons amigos

 

   procura a companhia

   de espíritos elevados

 

 

aquele que segue

intimamente

a perfeita virtude

vive feliz

com uma mente tranquila

 

o homem sábio

sempre se deleita

no ensinamento

dado a conhecer

pelo buda

 

***

 

os construtores de canais

                                    controlam os rios

os arqueiros

                    forjam as flechas

os carpinteiros

                    dão forma à madeira

 

os sábios aperfeiçoam-se a si próprios

 

 

como um rochedo

não é abalado pela tempestade

da mesma forma

o sábio

não se deixa afectar

por qualquer ofensa ou louvor

 

 

          ao ouvir o ensinamento

          os sábios tornam-se

          naturalmente purificados

          como um lago

          profundo

          límpido e transparente

 

 

      o que é bom

      renuncia a tudo

 

o virtuoso não conversa

sobre futilidades ou desejos

relacionados com o prazer

 

      tocado pela felicidade ou pela infelicidade

      as suas palavras são sempre as mesmas

 

 

é realmente virtuoso

     sábio e justo

aquele que nem para si

   nem para outrem

     comete erros

             e

         deseja

        riqueza

        e poder

 

justo

virtuoso

constante

 

***

 

poucos entre os homens

são aqueles que atravessam

a corrente do mundo

para a outra margem

 

o resto

a maior parte

      apenas corre

      para cima e para baixo

      para lá e para cá

      na margem de cá

 

os que buscam a verdade

que agem de acordo

com o ensinamento

admiravelmente instruídos

atravessarão o reino da morte

tão difícil de atravessar

 

***

 

ao abandonar

o caminho escuro

                         que o sábio se entregue

                         a uma vida virtuosa

 

tendo saído de casa

                      tornando-se monge mendicante

abandona o conforto das paredes

                      por uma vida sem tecto

 

libertando-se

   dos prazeres sensuais

      sem apego

         que o homem sábio purifique

            as contaminações da mente

 

 

aqueles cujas mentes

atingiram a perfeição suprema

com um espírito indómito

e sempre a caminho

libertos de todos os desejos

que brilham na sabedoria

alcançam o nirvana

nesta mesma vida

 

***

 

a febre da paixão

não existe para aquele

                                que concluiu a jornada

                                que não tem tristezas

                                que está totalmente liberto

                                que quebrou todos os laços

 

emancipou-se

de todo o sofrimento

 

 

os que são conscientes

                                esforçam-se

                                não estão apegados

                                a lar algum

           como cisnes

           que abandonam o lago

           deixam para trás

           casa após casa

 

 

os vestígios daquele

                            que a tudo renuncia

                            que sabe exactamente

                            o que é a comida

que liberto busca

                            o vazio e o inefável

são tão difíceis de seguir

como uma ave no azul

 

aquele

          cujas impurezas são destruídas

          indiferente a toda a ilusão

          desinteressado de qualquer alimento

          cujo objecto é o nada e

          a liberdade incondicional

os vestígios são tão difíceis de seguir

como os de uma ave no céu azul

 

 

até mesmo os deuses

estimam o sábio

cujos sentidos estão dominados

como cavalos sabiamente domados

 

***

 

o homem

que como a terra

jamais se revolta

e é tão impassível

como a soleira da porta

que é calmo

como um lago límpido

não mais renascerá

 

 

    calmo

    é o seu pensamento

 

    calmo

    é o seu discurso

 

calma

é a acção

daquele que se conhece

verdadeiramente

 

atingiu a paz

 

 

o homem

              que não tem uma fé cega

              que conhece o incriado

              que cortou todas os laços

              que destruiu todas as causas

              que abandonou todos os desejos

              que liberto nada mais desejou

 

é a mais excelente das criaturas

 

***

 

inspirador é o lugar

onde habitam

os libertos-vivos

seja uma aldeia

uma floresta

um vale

ou uma montanha

 

          inspiradora e deliciosa

          é a solidão da floresta

          desdenhada pelos homens

 

é aí que o liberto

                        a tudo indiferente

não buscando o prazer dos sentidos

encontra a suprema felicidade

 

***

 

melhor do que mil vezes

                                   mil palavras inúteis

é uma única palavra

                                   que seja útil

com a escuta da qual

se alcança a paz

 

melhor do que mil vezes

                                   mil versículos inúteis

é um único versículo

                                    que seja útil

com a escuta do qual

                             se alcança a paz

 

melhor do que recitar

                              cem versículos vazios

é a palavra verdadeira

que leva a paz a quem a ouve

 

***

 

     um guerreiro famoso

     pode vencer milhares

     de homens numa batalha

 

o que se vence a si mesmo

é sem dúvida o mais nobre

de todos os vencedores

 

          mais excelente

          que uma grande vitória

          no campo de batalha

          é a vitória de um homem

          sobre si próprio

 

àquele que é senhor de si mesmo

ninguém lhe pode subtrair a vitória

 

nem deuses nem demónios

nem o próprio brahman

 

honrar por um só instante

o homem que se soube dominar

                        tem mais valor

                      do que distribuir

               mil vezes mil dádivas

                          todos os dias

                            meses e até

                   durante um século

 

         honrar por um só instante

                   o homem que se soube dominar

         tem mais valor

                   do que a consagração

      ao culto do fogo na floresta

           durante um século

 

 

quaisquer sacrifícios

                            e orações

que alguém ofereça neste mundo

                            por um ano inteiro

em busca de mérito

                            nada disso vale

 

venerar os virtuosos

é acto de grande valor

 

      para o que está sempre pronto

      a reverenciar e servir

      os que são dignos de veneração

      alcança quatro bênçãos

vida longa        felicidade        beleza

e poder

 

***

 

um dia de meditação

do que é sábio

tem mais valor

do que cem anos

vazios de reflexão

e de sabedoria

 

um dia de meditação

do homem virtuoso

tem mais valor

do que cem anos

vazios de reflexão

e de sabedoria

 

vale mais viver

um dia diligente

e decidido

do que viver

cem anos

vazios de esforços

e de energia

 

um dia daquele

que reconhece

a impermanência

de toda a existência

tem muito mais valor

do que cem anos vividos

na ignorância e na futilidade

 

um dia daquele que conhece

o poder da morte

tem muito mais valor

do que cem anos vividos

na ignorância desse poder

 

          vale mais viver um dia

          na presença da verdade suprema

do que viver cem anos

na ignorância da finalidade suprema

 

***

 

   sê diligente a fazer o bem

         refreia a tua mente de fazer o mal

 

   quem é indiferente a fazer o bem

         inclinar-se-á para o mal

 

 

se um homem

praticar o mal

que não o repita

que não encontre

aí prazer

 

dolorosa

é a acumulação do mal

 

se um homem fizer o bem

que o faça e a ele aspire

continuadamente

aí encontrará deleite

 

abençoada

é a acumulação do bem

 

 

      tudo pode correr bem

      com aquele que faz o mal

      enquanto o mal

      não lhe pesar na consciência

 

quando o fruto do mal

amadurecer

o malfeitor padecerá

 

      tudo pode correr mal

      com aquele que faz o bem

      enquanto o bem

      não amadurece

 

quando o bem

amadurece

o benfeitor deleita-se

 

 

       que não se pense

       levianamente

acerca do mal dizendo

                               a mim o mal não me afectará

 

a água que cai em gotas

enche um cântaro

da mesma forma

o insensato pouco a pouco

cobre-se de mal

 

      que não se pense

      levianamente

acerca do bem dizendo

                                a mim o bem não me afectará

 

a água que cai em gotas

enche um cântaro

da mesma forma

o sábio pouco a pouco

enche-se de bem

 

 

            como um mercador

            que transporta muitas riquezas

            com uma pequena escolta

            evita caminhos desertos e perigosos

 

            também como aquele

            que ama a vida

            evita a taça envenenada

 

assim se deve evitar o mal

 

                                                                                                                                                                       

se na mão não existe nenhuma ferida

até o veneno pode a mão tocar

 

o veneno não afecta

quem está livre de feridas

como o mal não aflige

o homem virtuoso

 

 

          como a poeira fina

          atirada contra o vento

          o mal cai

          em cima do insensato

          que ofende um homem

          inofensivo

          puro e inocente

 

***

 

alguns renascem sobre a terra

os maus nos abismos

os virtuosos em mundos de felicidade

 

os que não têm qualquer mácula

acolhem-se no nirvana

 

 

      nem no céu

      nem no meio do oceano

      nem penetrando

      nas fendas da montanha

 

não há lugar algum no mundo

onde se possa escapar

às más acções

 

      nem no céu

      nem no meio do oceano

      nem penetrando

      nas fendas da montanha

 

não há lugar no mundo

onde se possa

escapar da morte

 

 

todos tremem

perante a violência

todos temem

a morte

 

ponderando cada ser a partir de ti

colocando-te no lugar do outro

não atormentes ninguém

não mates ninguém

 

todos tremem

diante da violência

a vida

é querida a todos

 

          colocando-te no lugar do outro

          não mates

          nem faças sofrer

 

 

   o que ao buscar a felicidade

   oprime com violência outros seres

      que também a desejam

   nunca alcançará a felicidade

      daí em diante

   nem mesmo depois da morte

 

   aquele que compassivo

   ao buscar a felicidade

                               não oprime com violência

                                         outros seres

que também desejam a felicidade

                                  encontrará bem-aventurança

               daí em diante

      e mesmo depois de morto

 

***

 

      que não se fale asperamente

      com palavras duras e rudes

 

      a quem assim se fala

      pode retaliar

 

penosas são as discussões

e as disputas

que facilmente degeneram em brigas

 

***

 

se como sino fendido

já nada soa no homem

 

atingiu o nirvana

todos os conflitos cessaram

 

***

 

como um pastor

com um cajado

                     conduz o rebanho ao pasto

também a velhice e a morte

                     conduzem todos os seres vivos

                                    ao túmulo

 

***

 

quando o insensato

      comete o mal

            e não mais se preocupa

                  não tardará

                      que seja atormentado

                      pelos seus actos

 

que o hão-de queimar e torturar

como  fogo que tortura e queima

 

***

 

   ser-se agressivo

   para um homem de paz

   usar de torturas físicas ou psíquicas

   com um inocente

 

       conduz a grandes sofrimentos

       perda de bens            mal-estar

       loucura                     doença grave

       morte

 

***

 

   nem caminhando nu

   nem tendo cabelos emaranhados

   nem lama

   nem jejum

   nem deitando-se no chão

   nem cobrindo-se de cinzas e poeira

   nem sentado sobre os calcanhares

 

            pode purificar um mortal

            que não supere a dúvida

 

 

      mesmo que se apresente

      ricamente vestido

         se for calmo

         controlado

      e estabelecido na vida santa

      tendo abandonado a violência

         contra todos os seres

 

esse é verdadeiramente um homem santo

um renunciante    um discípulo    um monge

 

***

 

raro é o homem neste mundo

que comedido por modéstia

evita qualquer censura

como um cavalo puro-sangue

evita o chicote

 

      tal como um cavalo puro-sangue

      movido pelo chicote

                                  sê diligente

                   repleto de determinação espiritual

 

pela fé

   pela pureza moral

      pelo esforço

         pela meditação

            pela investigação da verdade

 

               por seres rico em conhecimento

                  por seres rico em virtudes

                     por seres consciente

 

destrói este sofrimento ilimitado

 

***

 

os construtores de canais

                                    regulam as águas

os arqueiros

                                    forjam as flechas

os carpinteiros

                                    dão forma à madeira

 

os sábios

dominam-se a si próprios

 

***

 

estando neste mundo

sempre a arder

                              como podes estar alegre

                                   porquê tanto riso

 

envolto em trevas

                              será que não desejas a luz

 

 

observa o teu corpo

uma imagem pintada

uma massa de chagas amontoadas

doente                             ansioso

apoquentado por desejos vãos

 

corpo morrendo todos os dias

que se desmorona em poeira

 

 

       este corpo desgastado

   é um abrigo para as doenças

 

      esta massa frágil e putrefacta

               desintegra-se

 

                           a morte é o fim da vida

 

 

estas coisas idênticas a cabaças

espalhadas pela terra

são crânios amarelados

 

quem pode continuar alegre

e sentir prazer na existência

 

 

este corpo construído de ossos

carregado de carne e sangue

é o asilo da velhice

 

dentro jazem

                   a decadência

                   a morte

                   o orgulho

                   a inveja

                   a arrogância

                   a hipocrisia

 

 

   os mais belos carros reais

   acabam por se desgastar

   tal como este corpo se dissipa

 

o bem não envelhece

assim os que são sábios

dão-no a conhecer aos sábios

 

***

 

o homem que nada aprendeu

nem compreendeu

envelhece como um touro embrutecido

 

cresce-lhe a barriga

decresce-lhe a sabedoria

 

 

   em vão vagueei no círculo

   de muitos nascimentos e mortes

 

      andei sem rumo

      sem nunca ter encontrado

      o construtor desta casa da vida

 

         sem nunca o ter encontrado

         que vida cheia de sofrimentos

 

nascer e morrer

para renascer

uma vez mais

e outra

e outra ainda

 

 

         ó construtor da casa

               estás à vista

         não construirás esta casa

               de novo

 

         as tuas vigas

                           estão partidas

         e a cumeeira

                           deu de si

 

a minha mente atingiu o incondicionado

alcancei a definitiva destruição do desejo

 

***

 

os que na juventude

não renunciaram ao mundo

levando uma vida santa

morrerão como a garça-real

na margem de um lago

sem peixes

 

os que jovens

não levaram vida santa

e que não encontraram

o tesouro da juventude

vivem suspirando

sobre o passado

como as setas velhas

de um velho arco

 

***

 

se alguém se estima

               devia vigiar-se com diligência

 

que o homem sábio mantenha a vigília

em qualquer uma das três vigílias da noite

 

***

 

primeiramente um homem

deve estabelecer-se no que é próprio

 

            só então deve instruir os outros

            assim não será censurado o sábio

 

 

um homem deve fazer primeiro

aquilo que ensina os outros a fazer

 

se uma pessoa doutrina outros

deve ter ela mesma

um grande autodomínio

 

***

 

um homem é na realidade

o protector de si mesmo

quem mais o poderia ser

 

mestre de si

                       totalmente controlado

                       conquista uma perfeição

                       difícil de obter

 

***

 

o mal que o homem

ignorante faz a si próprio

                                   mal esse nascido

                                   e produzido por si

        esmaga-o

                      como um diamante

          tritura-o

                      como dura pedra preciosa

 

 

como uma trepadeira

                              estrangula a árvore onde cresce

 

também

                              um homem desregrado

se prejudica a si mesmo

                              como só um inimigo

                              poderia desejar fazer

 

 

fáceis de fazer ao próprio

são as coisas prejudiciais

mas difíceis de fazer

são as coisas benignas

 

***

 

   quem por causa

      de pontos de vista perversos

         despreza

            o ensino dos perfeitos

               dos excelentes

                  e dos justos

 

esse insensato tal como o bambu

produz frutos

para a própria autodestruição

 

 

      o mal que é feito a si mesmo

      a si mesmo a pessoa se mancha

 

      a si mesmo deixa de fazer o mal

      a si mesmo a pessoa se limpa

 

pureza e impureza

dependem de si mesmo

ninguém pode purificar

outra pessoa

 

***

 

que ninguém negligencie

o seu próprio bem-estar

por causa de outra pessoa

 

      seja qual for a sua grandeza

      compreendendo com clareza o bem

      como supremo para si próprio

      que a pessoa se preste ao bem

 

 

      não sigas o caminho fácil e que é vulgar

      não vivas descuidadamente na indolência

      não te agarres a opiniões falsas

      não te detenhas na existência mundana

 

 

sê sempre vigilante

                           leva uma vida correcta

 

o íntegro vive feliz

tanto neste mundo

como no próximo

 

leva uma vida recta

                            não leves uma vida ruinosa

 

o justo vive feliz

tanto neste mundo

como no além

 

***

 

aquele que olha o mundo

como uma bolha e uma miragem

sobrevive à vista da morte

 

***

 

vem

      observa este mundo

      que é como um

      carro real decorado

 

os insensatos

atolam-se

o sábio não se apega

 

***

 

aquele que tendo

sido descuidado

deixa de o ser

 

ilumina este mundo como a lua

emergindo das nuvens

 

aquele que por

boas acções

apaga o mal que fez

 

ilumina este mundo como a lua

emergindo das nuvens

 

 

o mundo é cego

                      jaz numa noite profunda

 

apenas alguns

                      possuem discernimento

 

poucos

como pássaros

escapando à gaiola

se elevam

para o reino da felicidade

 

 

 

***

 

Versão livre do Dhammapada - Buda




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