pelas sórdidas regiões humanas jornadeia um
homem a quem os argumentos fáceis não assombram que não crê por querer crer não é judeu nem cristão muçulmano
católico budista ou hindu abomina
seitas e greis prelados e autoridades senhorios ladrões santos adulterinos e estanhados magistrados políticos chulos e
cabrões advogados marafonas e
canastrões não é rico não é pobre não roga a deus despreza a lei dos homens
e a divina não crê nas verdades fabricadas não assevera nada não é nada não quer nada
pelas imensas províncias da terra hostil quem
é este varão que em si tem tanto de melancolia quanto de bravura pergunto-me
estar
estar sem mais num dia-a-dia selvático
nada querer nem o não-querer
ser-sem-ter
de quem tudo teve e foi
fêmeas
noites de loucura tardes
secretas amar e mar temporais desfeitos guerra e paz rum gin e veneno calmarias oceânicas e morte acaso azar e sorte
o meu nascimento nada trouxe de diferente é algo que estranhamente não lembro e
devia lembrar todos deviam memorar
esse momento minha mãe diz que não
chorei nem a porrete lamento
não me encomendei a este planeta não me
destinei a ser nenhum bem ou mal ao
mundo a mim indiferente quis fazer a
minha morte não abreviará o seu tempo não acanhará o seu luzimento nem o seu
tamanho
não há ninguém em toda esta multidão que me
elucide por que vim para que vim porque terei de partir sem que a alguém o
peça ou requeira
donde vim quem sou para onde vou
ouvi rosas túlipas jasmins amores-perfeitos
nos jardins
vi as vozes das mulheres que percorreram os
meus orgasmos e falsas-paixões e o canto do rum nos bares escondidos na
noite e os corpos corpos corpos desnudos que rememoro
estupidamente
a vida é um jogo insípido para além dos prazeres a dor e a morte
feliz é a criança que morreu ao
nascer mais feliz ainda aquela que não chegou a ver a luz do dia
não tenho medo do amanhã o amanhã não existe mais logo esta noite ou talvez ao raiar
da aurora poderei já não existir
tempo terminado nesta terra
navio fantasma a afundar na ilusão da eternidade
pedi rum e uma mulher uma garrafa e seios erectos sufocados
pelas mãos ardentes
peço rum e amor
na taberna da minha aldeia pedi a velhos
sábios notícias dos que já partiram tio zé gabriel respondeu só nos levam a dianteira é tudo o que
sei tio antónio velhaco ouviu e
disse eu sei um pouco mais morreu fodeu-se e não mais voltará
bebe
vá bebe e esquece
e o abade e suas lérias artimanhas cantadas aos pobres de
espírito numa ressurreição encenada
e a reencarnação dos espíritas e monges
castrados
psicopatas-abúlicos
pobres dos humildes pobres dos pobres em espírito
não faço projectos não pesco em lagos secos não estou certo de poder terminar o que
agora escrevo amanhã talvez possa
estar tão longe deste covil tão distante desta cáfila talvez no nada-dos-desaparecidos na
terra-dos-esquecidos
posso mergulhar na noite nas profundezas do
oceano subir aos montes descer aos vales escalar as muralhas dos fortes
caminhar no horizonte amar uma virgem ou uma meretriz rezar uma oração em vão
o meu grito é o dos ancestrais enquanto
contemplavam o sol e a lua os raios e trovões desconheço o rumo norte o sul e todas as
veredas-mistério nas horas venenosas
clamo pela morte
como é débil o homem fatal e implacável o seu destino como é dissimulado e insincero
juramentos juras falsas votos que não cumpre indiferente à vergonha e à desonra frieza da mentira em solo de hipocrisia
juramentos juras falsas votos que não cumpre indiferente à vergonha e à desonra frieza da mentira em solo de hipocrisia
eu vivi na insensatez destempero e desacerto
mas tenho por perdão o rum das noites de
verão e as quentes paixões das invernias
o calor da carne em chamas
os meus amigos morreram vivemos numa feira de vacas-loucas avinhados construímos nas nuvens o
teatro-da-vida não escolho outros
nem porto seguro chega de amigos
colhia todos os frutos maduros que as
minhas mãos pudessem alcançar rum e
mulheres copos de cristal e as mais
belas esposas-de-uma-noite deus não
se importava com os meus vícios e virtudes como abraçava os prazeres e com o
que fazia do meu corpo deus tinha
mais que fazer se é que fazia alguma coisa
cansara-se de tagarelas e puritanos
rum gin e uísque eram alforria de dúvidas e
cuidados de medos e fados indecisão e embaraços
era o batel estivado a ninfas que momento a
momento me arrebatava para a terra-do- esquecimento
bebia rum e gin nos bares enegrecidos pela
volúpia bebia a água do idílico
ribeiro da minha pobre aldeia bebia
o vinho puro das nossas vinhas antigas só deus é deus e ele tudo via e conhecia só
há um deus e ele tudo sabia tudo previa
não é o que está escrito no raio das escrituras quando me criou não sabia que eu beberia
e pelos caminhos da estúrdia com outros boémios vaguearia
a boémia das vielas dos becos das avenidas dos
bares do cais do sodré ah o odor do
álcool e das fêmeas inebriante
se não bebesse nem amasse esses corpos
apetecíveis a ciência de deus seria um fracasso poderá ele castigar o que assim criou poderá castigar-me a mim que a ele devo o
que sou extasiante foi o meu prazer
deus amava-me como era amava o que eu amava
e comigo comungava da vida porque mo disse e ele não é mentiroso apenas um pouco preguiçoso
quantos são os que neste momento lhe
dirigem fervorosas orações mantras credos petições paters e aos anjos e santos e as ave-marias há santos santas e anjos para tudo
e os que já estão no reino dos mortos de
quem nunca mais se ouviu falar e não foram ouvidos o vosso deus está surdo e mudo
os que me conhecem sabem que hoje não sussurro
orações aos ouvidos das divindades modeladas pelos homens na sua fraqueza
terrena a minha religião não é a
deles as suas crenças prometem a salvação e são
elas que carecem de ser salvas
salvem os estupores das religiões
a ninguém pedi a vida ou pedi não pedi para viver será que insisti
esforço-me por aceitar não farei perguntas
fodei-vos com as vossas teorias
estou cansado exausto de interrogar filósofos e livros queima-os josé deixa de ser asno
quis indagar a vida e li nos olhos da morte
quando acabar tudo acabará maldita sorte
queria dormir dormir profundamente embriagado nos
braços de uma mulher de todas as
mulheres
queria lá saber o que é o bem e o que é o
mal
o bem está para o mal como o mal está para
o bem
um é padrasto do outro
um é padrasto do outro
e da merda do mundo com a ciência dos
borra-botas
e dos padrecos com as suas lengalengas
e dos políticos pestilentos em são bento
e dos filósofos decadentes
peço rum e mulheres ó deus dos deleites
ouve-me a mim que não sou como eles
muito aprendi outro tanto esqueci veio a paz quando com desprezo tudo
repudiei e acabei por aprender que não nos é possível afirmar ou negar nada e
que em tudo há uma praga
o mistério da criação queres ver deus olha para o mundo diziam-me
os teólogos a beleza das
paisagens não por detrás de tudo vinga na cadeia
alimentar a maior das violências respondia
pouco me preocupa saber se o vosso deus
existe ou não porque sei que nunca o saberei e se existe é um deus de furor que
ama a violência
só o meu deus existe deus do prazer e do amor
não estou certo se existe justiça divina ou
misericórdia existam ou não estou em
paz confiante e indiferente porque sempre fui autêntico apesar de imprevidente nunca ocultei os meus vícios e os meus
mais terríveis defeitos nem os mais torpes desejos nem impiedades nem os
intensos cios
por vezes humano outras animal sem tino sem
destino e sem razão nos dias fugazes que correm velozes como a água dos rios e
os ventos secos do deserto
creiam há dois dias que me deixam indiferente o ontem que morreu e que já sepultei e o
amanhã que ainda não nasceu e que não sei se e como o viverei
jornadeei no caminho oblíquo colhi
o fruto da verdade da árvore da vida e do gozo
sonho e sono sobre a terra sono debaixo da terra sobre a terra e por baixo da terra corpos
que jazem para onde quer que vá onde
quer que fique o nada um deserto de nada homens que chegam homens que se vão que
partem para a terra-do-nada
quando eu me finar comigo hão-de morrer os néctares
da noite os lábios rosados olhos negros rasgados das mais belas mulheres exterminar-se-ão os crepúsculos e auroras de
êxtases
quando eu for sepultado escrevam no meu
túmulo
aqui reside aquele que sorveu a essência da vida
aqui reside aquele que sorveu a essência da vida
quando era criança na igreja sentado rezava
orações incompreensíveis e voltava a casa com o coração cheio de confiança agora e até ver velho e cansado quando me
sento numa delas procuro a sombra o silêncio a paz e a frescura e deixo-me
adormecer pensando tão-somente que ali estou simplesmente ali à espera do nada
a querer nada
pobre de mim que já não acredito naquela
estranheza da trindade e no deus de abraão
a liberdade e sua solidão um corpo nu e só no esplendor da
noite alheio ao prazer
peço rum e uma mulher mas será que peço
quero lá saber da minha saúde fumo um cigarro quero lá saber da salvação que se salvem os sendeiros o paraíso está cheio de virgens e frutos
pendentes de árvores gigantescas
brutos-visionários pagai-me já a viagem nobres alimárias como vos enganais o
inferno sois vós
vivo como um príncipe e morrerei sozinho
como um cão a escolha é minha nascemos para nós e morremos sozinhos
onde estás tu meu amigo das noites errantes
das boémias cantantes onde estão os
outros nossos aliados tê-los-á
abatido a morte na sua vida sem regras e desnorte sorte ou azar quem o dirá onde estão agora pareço ainda ouvir as suas vozes alegres estarão mortos ou embriagados de connosco
tanto ter vivido
setenta vezes sete vidas vividas foram as
nossas nada a carpir
pelos bares e prostíbulos vagueávamos leitos muitos fêmeas rum e fêmeas
embriaguez sem arrependimento
breve a vida escasso é sempre o prazer
nunca hei-de saber nada mistérios que porra
quero o paraíso aqui
o meu deus não semeia o terror nem pede
súplicas
não se incomoda com os ateus ignora as beatas diz
que os santos são doidos os papas impostores os padres proxenetas e isaac jacob abraão
e ismael uma invenção
peço rum e uma mulher o
resto que se dane quero-o agora
ouve-me satanás encheste o inferno de padres beatas-falsas
moralistas poderosos a quem comemos as mulheres és o dono do passado deus do porvir e eu do agora
nada é superior a deus dizem
eu sou esse nada vivido
bebo este gin beijo esta mulher penetro-a
uivo de prazer no eterno e tu a arder no transcorrido gozo o momento nas férias que a morte me
dá não me convences anjo-da-revolta boémios ao paraíso puristas ao tormento
subterrâneo
liberdade liberdade peço liberdade
livre de condicionamentos falsos-pecados
invenções tenebrosas leis e moralidade
o que será de mim depois da morte
merda
o nada no todo ser feliz
hoje o amanhã não sei o que me trará
terás algum poder sobre o teu destino imbecil tolo
criatura frágil e inquieta por que te amedronta o porvir por que tens medo do que há-de vir julgas-te sábio um entendido que sabes tu asno goza o momento goza o presente porque o
futuro é como quem mente
que te pode trazer o futuro alegria ou sofrimento quem o sabe e se o sabe nunca to dirá
seguramente
vive a amorosa doçura do agora
ama e pede que te sirvam de beber
pouco sei ou me importa saber mentira teologia verdade filosofia bondade religião maldade autoridade mas procuro sempre um vinho de qualidade nasci e vivi com ele
uma cama em desalinho
não a sei fazer nem quero aprender
os meus cabelos embranquecem meus ossos enrijecem sessenta e dois anos ser feliz hoje ou nunca amanhã talvez já não tenha forças talvez
seja tarde com a alma vendida ao diabo nesta vida breve como um suspiro
o universo é um sonho a vida é um sonho
não há caminho não há caminho
quero dormir o sono é uma morte temporária e a morte
um sono para sempre prolongado
bem e mal combatem pela primazia neste
planeta lobos e predadores ladrões
mentirosos criminosos políticos ranhosos
o céu não é responsável pela celebridade desgraça ou felicidade que o
destino nos reserva não lhe
agradeças nem o condenes vás por onde fores já que nada se preocupa com as tuas
míseras alegrias ou com as mais terríveis das dores
neste mundo é nosso destino sofrer para
depois em agonia morrer com algum
prazer não quereis dar à terra quanto antes o vosso corpo miserável ele que é a
fonte de todo o padecimento e a
alma perguntais pela qual deus aguarda para o juízo final
ficai descansados que logo vos
responderei quando for avisado por alguém que regresse da terra-dos-mortos
todos os reinos e riquezas todos os
impérios e suas fortalezas todas as bibliotecas e livros toda a sabedoria por uma garrafa de rum
todos os hinos de amor pela canção do copo
que se esvazia e por um corpo que se anuncia
queima os teus livros de orações incendeia as tuas crenças aniquila as tuas religiões pensa com atrevimento e defronta sem temor
o céu e a terra faz do pobre e do
oprimido a tua dor bebe e ama
ama mais que o deus dos homens amou
és dono de um novo império
Esse poema é do doutor?
ResponderEliminarEsse poema é do doutor?
ResponderEliminarBoa noite
EliminarÉ. Todos os poemas dos meus blogues, que não tenham nome de autor a final, são meus.
Abr.
JMA