ANTIPOESIA

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ANTIPOESIA

quarta-feira, 14 de abril de 2021

DA ANTIGUIDADE

 

 

 

***

 

a safo (600 ac)

 

     nasceste em lesbos

     filha de afrodite

     mulher de muitas mulheres

     alma enlouquecida

     por floridas primaveras

     a grinaldas adornada

 

     tantas foram as rosas desfolhadas

     mais ainda as por desfolhar

 

            anaktória            lídia

            górgila               mnadísica

            cleia

            aurora               irana

            rasgai vossos vestidos

            doces donzelas           filhas de zeus

            da inocência e pureza

 

     braços alongados em noite de lua cheia

     mãos a tocar os céus do prazer

     que ama e tem ou quer ter

     tudo o que a vida lhe puder dar

 

     lira que nunca cessou de cantar

     as túnicas puras e nuas do desejo

     cingidas a formas divinas da formosura

 

 

***

 

a pínito

 

      na sepultura de safo

      ossos

      um nome mudo

      o amor desnudo

 

      mas seus versos

      hão-de viajar pelo mundo

      enquanto um homem

      houver para os ler

 

 

***

 

a platão (427-347 ac)

 

      trocaria a tua virgindade

      por esta maçã madura

 

      aceita-a jovem

      seja em troca dela

      seja como prova

      de que cedo ficarás velha

      com rugas na cara

      e profundas olheiras

 

      se me amas

      quero-te como ao vinho de quios

      ou ao mais doce e suave

      que o mais novo dos néctares

      das mais valiosas videiras

 

      podes pintar os cabelos

      betumar as gelhas

      usar vestes que não cinjam o corpo

      mas nunca conseguirás esconder

      a tua velhice

      como a uma casa sem telhas

 

      vénus chora a solidão na floresta

      esfera infindável do amor

 

      cupido vence marte

      as mais belas donzelas

      despojam-no das suas armas

 

      flores tombam

      do céu límpido e inocente

 

      são mais de mil

      os beijos que esvoaçam

 

      os corpos tocam-se

      numa dança divinal

 

      a guerra do amor

 

      pintar o amor com forma de criança

      insensatos os amantes e suas lembranças

      insensato serei eu

      devotando-me a tantas

 

      não me perguntes nada                    não sei

      amor que se sente e não se lê

      que no inverno se aconchega em manto de lã

      amor que não tem porquê

      que de bom grado troco por uma maçã  

 

 

***

 

a tíbulo (48 ac – 19 ac)

 

         délia solta ao vento teus cabelos

         terra e mar conhecem teu nome

         o que é que me dirás

         sussurraste entre beijos e lágrimas

         quando minha hora chegar

         e mentir-me-ás

         como mentes a teu marido

         estulto vencido pelos ardis de mulher

 

         com ele te deitas

         e juras não ser eu teu amante

         e se me juras ser eu o teu amor

         nova mentira te acomete

         e a verdade me fere

         porque da mentira só nasce dor

         da suspeita o ciúme

         lume que incendeia o a alma

 

         se catulo assevera

         que fecunda é a semente do adultério

         dá-me o descanso e a calma

         desfaz o cruel enredo

         sê-me fiel

         mas que não seja por medo

 

*

 

         de ti sou escravo némesis

         de délia também o sou

 

         milhares de férreos grilhões

         cingem-me o coração

 

         desejo dúplice

 

         as chamas da avidez consomem-me

 

         com as mãos cheias de oiro

         mesmo que a pobreza

         nos atinja no que temos

         tudo à tua beleza entrego

         menos do meu corpo

         os prazeres de vénus   

 

 

***

 

a automedonte (séc I ac)

 

     no circo da vida

     digladiam-se os desejos

 

     os pensamentos orbitais

     dos escorraçados

     ludibriam-nos

 

     os filósofos são esterco pousado na terra por lavrar

     os poetas as giestas que servem para a adubar

     terra que come a vida e a morte

 

     feliz é o que a ninguém nada deve

     errando pelo mundo

     como um verdadeiro rei na sua pátria

 

     feliz o pária que se não casou

     depois

     o que filhos não tem

 

 

***

 

a catulo (84 ac – 54 ac)

 

            que amor se faça

            seja a paixão insana

            raivosa ou obscena

 

            lésbia

            beija-me

            uma vez

            mil vezes

            mais cem

            outras mil

            outras cem

 

            calai-vos puritanos

            brochistas

            paneleiros

            aos amores furtivos

            e beijos infindos

            deste velho putanheiro

            ainda com força

            para enrabar um puto

            de venenosa língua

            ou um outro bruto

            que a empernar moça esteja

            sem caralho que se veja

 

 

***

 

a onestes

 

     nem virgem

     nem velha

 

     lastimável é a ausência do prazer

     respeitável a castidade do tempo

 

     que venha a beleza sazonada

     cobrir o meu leito

     apertar o meu peito

 

 

***

 

a anacreonte (572 – 485 ac)

 

     o campo de batalha

     uma grande ilha sulcada pelo silêncio

 

     corpos inanimados

     iluminados pelo sol da madrugada

     lembrando o rio antigo

     do sonho em flor

     partilhado por membros dispersos em pedaços

     em todas as direcções sem espaços

     do sul ao norte

     do país natal perseguido pela morte

 

     ares não poupa os bravos mas os cobardes

 

 

***

 

a ovídio (43 ac – 18 dc)

 

         deitei-me com ela

         sem saber o que fazer

         não era feia      nem bonita

         atraente           sofisticada

 

         esforçou-se

         e eu nada

 

 

***

 

a antífanes

 

olhava o mar em baixo de um pôr-do-sol vermelho rosado

na paisagem soprava levemente a solidão da aragem

nos ramos das árvores sem fruto

 

duas ou três aves poisaram no penhasco doirado

semente de atlântica angústia no coração dormente

 

vencido pelo rosto do mar invencível

ouvi as vozes do desprezo e da melancolia

eu que julgava que metade de mim ainda vivia

 

 

***

 

a marcial (40 – 104 dc)

 

      lésbia

      amas de todos à vista

 

      a porta escancarada

 

      o pobre amante conta os olhos

      tantos quantos os orgasmos

      da libidinosa amada

      mais descarada

      que puta despudorada

 

      encolhe-se-lhe o membro

      fica pálido

      o lambe-conas

      assim tão

      desavergonhadamente observado

 

 

***

 

a dioscórides (séc III ac)

 

      nas frescas flores de dóris

      sente a imortalidade

      estreitado pelas suas encantadoras pernas

      grossas e formosas coxas

 

      languidamente absorto

      interiormente agitado

      pasmado com tal horto

      vens-te

      e pronto

 

      na alvura do sémen repousado nas carnes macias

      dóris contorceu-se em espasmos com a mente vazia

 

*

 

      o que me enlouquece            lábios rosados

                                               boca de néctar

      seios brancos unidos             firmes

      pupilas que brilham               

      em espessas sobrancelhas

      e que se reviram

      em espasmos cintilantes

 

      como botão de rosa

      tudo a alma consome

 

      que boca e corpos

      existam sem freios

 

 

***

 

a horácio (65 ac – 8 ac)

 

         que venham amores

         prazer sem dores

         que marido encornado

         é trabalho redobrado

 

         mal que mata ou mutila

         o corpo e o sexo amarfanha

         do amante vilão

 

         não

 

         se o desejo te assanha

         com mulher por perto

         na facilidade do momento

         liberto de contenda e duelo

         usarás tu da mão

 

         por mim te digo

         não

         prefiro amores fáceis e prontos

 

 

***

 

a dionisío

 

         amor que por sorte ou azar

         me foi sempre concedido

         por um não sei porquê

 

         caminho pelos amores de mulheres

         livres e recatadas

         e pelos leitos das mal guardadas

         imundas e desordenadas

 

         a fílide desnorteada quando bebe

         e a teia mulher que a muitos se atreve

         deitei na mesma cama

 

         até que cíntia de rompante

         me ataca furiosamente

         os olhos    o pescoço    o corpo

         rasga-me o peito

         e numa jura de fidelidade eterna

         oportunista mentira da excitação

         revolvemos o leito

         e saramos por um momento

         o coração

 

 

***

 

a estraton (séc II dc)

 

   bebe e faz amor ó demócrates

   de que te serve a abstinência e a castidade

 

   flores e perfumes no sem sentido

   da doença     do sofrimento     da velhice e da morte

 

   faz amor demócrito

   fá-lo por mim

 

   que farás depois da morte

 

   deucalião mergulhará as nossas ossadas

   embriagadas nas profundezas do oceano

 

 

***

 

a demódoco (séc V ac)

 

      uma víbora pisada

      mordeu um capadócio

 

      tão bom era o homem

      que morreu ela e ele não

 

      envenenada pelo sangue

      que lhe corria nas veias

 

      teias que a vida tece

 

      assim morrem hoje os bons

      envenenados pelos governantes

      que matam com falsas palavras

      os pobres coitados e ignorantes

 

 

***

 

a antimedonte

 

        bebemos durante a tarde e ao crepúsculo

        o sangue dos nossos antepassados

 

        reviramos os olhos

        nós os monstros mais arrojados

        das vastas planícies secas

        de novos mundos enviesados

        onde as quadrigas desbravam

        o odor orgíaco dos deuses

 

        quando o dia nasce

        levantamo-nos e rugimos

        feras demoníacas

        em guerra eterna

        umas contra as outras

 

 

***

 

a méleagro (140-60 ac)

 

      quiseste renunciar

      aos amores de heliodora

 

      as mulheres não esquecem

                                            paixões

                                            enganos

                                            lágrimas

                                            traições

                                            ciúme

 

      mas como quem ama sofre

      quem sofre odeia e não olvida

      sem que o queira ver

      continuas nesta vida

      a amá-la sem querer

 

*

 

         a alma tem asas

         como as aves do céu –

         não as queimes

 

         timárion

         os teus beijos

         são como o visco

         teus olhos fogo

 

         se olhas incendeias

         se tocas aprisionas

 

 

***

 

a filodemo (séc. I ac)

 

            do leito do marido dormente

            escapou-se a esposa

            em movimento silente

 

            a noite estava tempestuosa

            a casa do amante ainda longe

            clamava a carne voluptuosa

 

            chegou molhada

            lastimável estado

            de quem queria

            à força ser amada

 

            no leito quente

            o amante sonolento

 

            foi para isto que vim

            perguntou-lhe a encharcada

 

 

***

 

a juvenal (62 – 131 dc)

 

      vontade de fugir de roma

      cidade imunda de gente enferma

      almas corcundas de decadente império

 

      ir além do horizonte

      de tudo o que é impropério

      ir além do além

      para uma terra de ninguém

 

longe dos bacanais e das bichas loucas de cu depilado

depravados         homicidas e ladrões

adúlteras            castrados e canastrões

 

povo fuliginoso comandado por um bando de rabetas

pederastas e paneleiros

        a quem os deuses

        não deram ao corpo

        as maleitas da alma

 

 

***

 

a parménion

 

as escolhas de quem envelheceu precocemente

os anseios de quem as forças perdeu no campo de batalha

 

          como é difícil escolher

          entre a fome e uma velha

 

          ter fome é terrível

          enfraquece o corpo

          entorpece a mente

 

          mas a cama de uma velha

          mais terrível é ainda

          mata-nos o espírito

          enfraquece-nos a vontade

 

 

***

 

a polião (séc II dc)

 

      com o vento sul aproxima-se o temporal

      a chuva inundará os campos

 

      a sala grande do pavilhão a poente

      escurece deserto e grandioso

 

      entre as neusas

      vigiam as erínias

      volteiam a escrivaninha

      ornamentada a madrepérola

      fazem do homem solitário

      curvado sobre pedaço de papel

      um pobre poeta contestatário

 

      ele e elas riscam palavras fúteis

      que roçam a demência da paisagem

      versos e versos inúteis

      que  inundam livros de viagem

 

      o homem continua a escrever

      não cede à sua insignificância

      e à morte prematura dos seus poemas

      que ninguém lê ou declama

 

      não pode haver maior loucura do que esta

 

 

***

 

a amiano (séc II dc)

 

      afagava a barba

      olhos postos no horizonte em chamas

a terra imunda a seus pés            seus discípulos também

      o queixume da floresta por desbastar

      o crepitar do fogo por apagar

 

atingira a notoriedade do entrançado grisalho fundido no tempo

         sem a sabedoria da efemeridade

         numa barba de velho por néscios respeitado

 

      barba donde nenhuma nova ideia nascia

      barba abrigo de loquazes piolhos do momento

      que mordiam vorazes cada palavra

      aniquilando a bestialidade do pensamento

 

 

***

 

a eveno (séc I ac)

 

      a adoração da vaca

      na praça inundada por mortos-vivos

      queimados pelo sol de verão

 

      ritual pagão de um deus julgado verdadeiro

      que não é divino nem humano

 

      vaca revestida com pele de bronze

      bronze com dentes de alma

      pura e desconhecida

      tão nossa              tão envelhecida

      tal deusa inventada

 

 

***

 

a páladas de alexandria (séc V dc)

 

         a vida é prazer

         para longe os cuidados

 

         a vida é curta

 

         que venha

                        o vinho

                        danças

                        orgias

                        flores

                        amores

 

         venham mulheres

 

         felizes hoje

         amanhã quem o dirá

 

         lembra-te de zeus

         insensível ao amor

         das virgens de sangue real

         o real sedutor

 

 

***

 

a paulo silenciário

 

     até quando os nossos olhares furtivos

 

     declaremos abertamente o nosso amor

 

            nus

            enlacemos

            os nossos corpos

            nós que ainda

            não estamos mortos

 

            nus

            unamos

            nossos lábios e peitos

            nós que para amar

            fomos feitos

 

            nus

            que cada um

            entre no coração do outro

 

            nós que para amar

            teremos de ser

            apenas um

            e nunca dois

 

 

***

 

a tucídio galo

 

       lide

       em pequena casa vivia

       e nela seus clientes recebia

       mais alguns amantes

 

       com um só não ia

       pelo menos três escolhia

       para os buracos que havia

       sem olhar a pederastas

       e outros depravados

 

       um a um os comia

       e era comida

       a boca em brasa

       enquanto na vagina e cu

       tudo lhe ardia

 

 

***

 

a trajano o imperador (séc I dc)

 

         da personalidade de um homem

         do seu sexual vigor

         é o espelho que mede o seu nariz

 

         quanto maior

         mais longo o seu falo

         e mais competente no amor

 

         contudo se o apontar ao sol

         abrindo a boca

         aos que passam

         indicará as horas com rigor

 

 

***

 

a heládio (séc IV dc)

 

            vives na ilusão

            zé-ninguém ambicioso

            arrogante e vicioso

 

            querendo

            mostrar

            que vales

            o valor

            que não

            te dão

 

                     tens tingido tantos tecidos

                     certo que a tudo a tinta tinge

                     que o que trazes vestido

                     nem a tua pobreza finge

 

 

***

 

a leónidas de alexandria

 

      andam pelo mundo

      uns abutres encapuçados

      enganando uns desgraçados

      a cruz de cristo invocando

 

      bruxos e adivinhos

      estudam as estrelas

      o movimento dos astros

      deitam cartas ao acaso

      estudam das mãos as palmas

      recebem oblações

      fazem rezas

 

      bebem dos melhores vinhos

      em mesas por velas alumiadas

      lendo o destino aos incautos

      ficando-lhes com as bolsas

      de moedas de oiro recheadas

      com tanto suor amealhadas

 

      infames promessas

      de charlatães do porvir

      de pechelingues encartados

      aos ignorantes coitados

      e às damas que por casar

      confiam a ladrões a sua vida

 

 

***

 

a demétrio de bitínia (séc II dc)

 

           cuidado amigo

           no caminho que levas

 

           a uma légua do destino

           encontrarás um cercado

 

           do marquês é o gado

           empregado é o guardador

 

           se um bezerro te vir

           mugirá

 

           se for um touro

           cobrir-te-á

 

           mas cuida-te do pastor

           homem velho e de valor

           a quem nada escapa

 

           se te vir

           levar-te-á para a manada

 

 

***

 

a dionísio o sofista (séc II dc)

 

      menina que vendes rosas

      tão graciosa

      corpo perfumado em flor

      que faz desejar o amor

 

      diz-me a mim

      que de te ver lamento

      o tanto te querer

 

      que vendes

      a ti te vendes

      as rosas

      ou as duas

      ao mesmo tempo

 

 

***

 

a bianor (séc I dc)

 

         um cavalo de guerra

         não deve ser transportado

         no porão de embarcação

 

         um ser tão elegante

         belo e inteligente

         amigo de gente

         fiel ao rei e ao cavaleiro

         não pode ser considerado

         carga de brutos

 

o que é veloz

não deve viajar

na lentidão do mar

 

 

***

 

a simónides (séc VI dc)

 

      tenho comigo uma lança

      tão antiga como eu

      amaldiçoada por tristes mortes

      em ferozes combates

 

      a ponta de bronze está velha

 

      quantos fortes guerreiros não sangrou

 

      deixo-a repousar

      e sentado no cadeirão de pele

      esqueço a mão que a brandia

      a mesma que matou

      que tanto amou

      e que agora está vazia

 

 

***

 

a rufino (séc II dc)

 

         nos banhos

         rodeado de flores

 

         o vinho servido

         em taças de cristal

 

         das mulheres

         os corpos nus

         embriagados

 

         nem gordos

         nem magros

 

      prefiro as embriagadas

      às senhoras sensatas

      como pirro desprezou hermíone

      preferindo a escrava andrómaca

 

         talvez europa

         que tem no beijo

         a profundidade da lascívia

         sugando-me o alento

         e a vida

 

      não sei        nem bem   nem mal

      prefiro uma mulher que seja fácil

      sem perfumes nas vestes

      que escondam o seu frescor

      e natural odor

 

      sem que me esqueça

      que o prazer é sempre curto

      enquanto a velhice nos arrasta

      débeis e decrépitos para a morte

 

*

 

            depois de amor fazer

            com os corpos suados

            os lençóis molhados

            estendo-me sereno

            como quem medita

            e a ninguém quer ouvir

 

            depois de amor

            fazer e do prazer

            mutuamente doado

            não há mulher

            que não seja

            aborrecida

            com perguntas e falas

            para o momento

            contra-indicadas

 

 

***

 

a posidipo (séc III ac)

 

      na vida és uma

      na cama outra

 

      as tuas lágrimas tocam-me

      quando me esqueço do que sou

      do que vivi

      e em vida vivida senti

 

      dizes que me amas

      a mim e a mais ninguém

      enquanto comigo fazes amor

      no leito que tem o nosso odor

 

      mas se noutro te deitares

      e com outro te excitares

      dir-lhe-ás o que mim dizes

      fazendo-lhe crer

      ser ele o teu único amor

 

 

***

 

a agátias o escolástico (535 – 582 dc)

 

         hoje digo que te amo

         entristeço e sofro

 

         sinto que me amas

         a angústia invade-me

         oprime o meu coração

         e  com esta dor padeço

 

         amar e ser amado

         são condenações dobradas

         em vida por amores despedaçada

 

 

***

 

a erício de cízico (séc I ac)

 

            em esparta

            terra farta

            de heróis

            agora exemplo extinto

            de sociedade escravizada

 

            uma mãe

            viu um filho regressar

            de violento combate

            assustado e tremendo

 

            empunhou uma lança

            para que a gloriosa esparta

            se não sentisse envergonhada

            por ter amamentado um cobarde

            do que não poderia

            ser julgada culpada

 

 

***

 

crates de tebas (séc IV ac)

 

      estou velho

      nada tenho

      de mãos vazias vim

      de mãos vazias irei

 

      vivo com o que aprendi

      e com o que as musas

      amorosamente me ensinaram

 

      todo o resto são fumo e cinzas

      arrastadas pelo vento

      que não transportarei

      no meu passamento

 

 

***

 

a menécrates

 

         lembro o tempo

         em que desejava a velhice

         na sua paz e sabedoria

         e um amor sentido

         companhia até à morte

         na cumplicidade do dia-a-dia

 

         um forte elo com a vida

         nos passos dados

         nesta vasta planura

 

         veio

         avisou

         não a quis ouvir

 

         chegou

         estando eu

         a dormir

 

         velhice que como a morte

         é sempre melhor

         antes de vir

 

 

***

 

a calímaco (305 – 240 ac)

 

      às três graças

      juntou-se berenice

 

      são agora quatro

 

      sem ela

      as graças

      não seriam graças

      seriam minhas desgraças

 

*

 

         viras-te no leito

         ignoras-me conópion

         dormes

         ou finges dormir

 

         ansioso toco

         com a ponta dos dedos

         teus seios

 

         quero sentir

         quero amar

 

         repudias-me mais um dia

         mas

         quando a velhice te atormentar

         hás-de lembrar

         este tempo

         agora perdido

 

 

***

 

a macedónio de tessalónica (séc VI dc)

 

      promessa atrás de promessa

      vais adiando o encontro

 

      amanhã                dizes

      e amanhã outro amanhã

      num tempo que não chega

      numa tarde em contraponto

 

      tanto terei de esperar

      que já esperanças não tenho

 

      sei que não te irei amar

      a menos que envelheças

 

 

***

 

a marco argentário

 

   ah melissa

   nesta primavera tão juvenil

   uma abelha colhe

   pólen do rosmaninho

 

   entre tu e ela

   não vislumbro diferença

   seja no ninho

   seja no beijo

   ambas produzem mel

 

   mas se a uma assalto o cortiço

   sou castigado com o seu ferrão

 

   se a outra me pede dinheiro

   sinto na carne a fúria de um espigão

 

   a beleza tem um preço

   o prazer um valor

   só o verdadeiro amor

   não te custa mais

   do que um lenço

 

 

***

 

a diógenes laércio (séc III ac)

 

      a ti sócrates

      que trouxeste a filosofia

      do céu para a terra

      deus declarou-te sábio

      e a sabedoria deus

 

      por seres diferente

      na honra e dignidade

      homem de uma só palavra

      forte de corpo e espírito

      à morte foste condenado

 

      bebes agora com os deuses

      e os que te sentenciaram

      para todo o sempre irão beber

      do veneno que te libertou

 

 

***

 

a antípatro de sídon

 

        tragam-me uma mulher

        tragam-me uma jarra de vinho

        beberei dos seus seios

        do mel de seus beijos

 

        a eles em vida não renuncio

        e na inelutável barca do mar da morte

        com baco e vénus e outros imortais

        amarei e beberei

        sem mais                     beber e amar

        sem que me importune o pensamento

        sem que me angustie o destino

 

        mesmo na abismo profundo

        o prazer não me será retirado

        porque zeus não castiga

        nem pode justiçar o que não é pecado

 

 

***   

 

4/2021



José Maria Alves

https://homeoesp.blogspot.com/

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