A Chuang Tse
***
no oceano do norte há um
peixe chamado kung
não sei de quantas mil li
de comprimento
esse kung transforma-se
num pássaro chamado peng
as suas costas têm não sei
quantas mil li de largura
quando
se move voando
as
asas escurecem o céu
como
se fossem nuvens
quando
viaja dirige-se
para
o oceano do sul
o lago
celestial
no registo das maravilhas
de chi hsie
lemos que quando um peng
voa para o sul
a água agita-se numa extensão
de três mil li ao redor
enquanto o pássaro sobe num temporal
até à altura de noventa mil li
para um voo de seis meses de duração
para
depois repousar
subindo
a essa altura no ar
a
ave vê
as
brancas neblinas da primavera
as
nuvens de poeira
e
as coisas vivas que exalam
os
seus hálitos no meio delas
imagina se o azul do céu
será a sua cor real
ou apenas o resultado da distância sem fim
e confirma que as coisas sobre a terra
lhe
parecem sempre as mesmas
se não houver profundidade suficiente
a água não fará flutuar as grandes
embarcações
também se não houver profundidade
suficiente
não será possível o ar suportar
grandes asas
uma
cigarra e uma pombinha riram
dizendo
quando voo
com todas as minhas forças
o máximo que consigo é voar
de
árvore em árvore
quantas
vezes não
chego
ao meu destino
caio
no chão
a
meio do voo
para que é preciso subir
noventa mil li
para iniciar a viagem rumo
ao sul
quem
vai para o campo
e
leva três refeições consigo
volta
com o estômago tão cheio
como
na hora em que partiu
quem
viaja cem li
deve
levar arroz suficiente
para
o descanso de uma noite
e
quem tem de percorrer mil li
necessita
transportar suprimento
de
provisões para três meses
aquelas duas
criaturinhas
afinal
que
sabem elas
o
saber limitado
não
tem o alcance
do
saber profundo
do
mesmo modo
que
uma vida curta
não
tem a mesma
duração
de uma longa
como poderemos
afirmar que assim é
a
planta do cogumelo
que
dura uma manhã
não
conhece a mudança
do
dia e da noite
a
cigarra desconhece
a
mudança das estações
da
primavera e do outono
ambas
têm vida curta
porém
no sul de chu
há uma árvore
cuja floração e frutificação
duram cada uma quinhentos anos
antigamente
havia uma árvore enorme
cuja
floração e frutificação
duravam
cada uma oito mil anos
contudo
peng
tsu
é
conhecido
por
ter alcançado
muita
idade
e
é objecto
de
inveja
para
todos
não será triste que toda a
gente o queira imitar
há uma diferença
entre o pequeno e o grande
tomemos por exemplo um homem
que concretiza as suas funções
num pequeno escritório
ou cuja influência
se faz sentir
sobre um lugarejo
ou cujo carácter
agrada
a um governante
a opinião que tem de si
será a mesma que a da
cigarra
o filósofo yung de sung
rir-se-ia de tal homem
se o mundo inteiro o
lisonjeasse
ele não se deixaria
impressionar
tão-pouco se deixaria
dissuadir
do que pretendia fazer
se todo o mundo o
censurasse
pois
yung é capaz de distinguir
a essência da superficialidade
e compreende o que é a verdadeira
honra e a vergonha
tais homens são raros numa geração
mas
nem mesmo ele
consegue firmar
a sua reputação
e é imperfeito
***
diz-se
que
o homem perfeito
se
ignora a si mesmo
o homem divino ignora
a recompensa do
valor
e o verdadeiro sábio
ignora a
reputação
***
não
se pergunta a um cego
qual
é a sua opinião
a
respeito de um belo desenho
nem
se convida
um
surdo
para
um concerto
a cegueira
e a surdez
não são apenas defeitos
físicos
há a cegueira
e a surdez
do espírito
***
o
que não tem qualquer utilidade
para
os outros homens
poderá
porventura causar-nos preocupações
***
a grande sabedoria é
generosa
a sabedoria mesquinha aprecia contendas
os discursos virtuosos são
desapaixonados
os pequenos discursos são desagradáveis
ainda
que a alma
esteja
presa ao sono
ou
mesmo acordada
enquanto
o
corpo se move
nós
empenhamo-nos
e combatemos
com
as coisas
que
nos cercam
quando
estamos a dormir
estamos
em contacto
com
as nossas almas
algumas
são fáceis de resolver
e são comodamente aquietadas
algumas
são profundas e
dissimuladas
e outras são misteriosas
***
contentamento
e ira
tristeza
e felicidade
tédio
e remorso
hesitações
e temores
surgem
à vez
sempre
com
aparências
diferentes
tal
como a música
que
sai de uma cana oca
ou
como cogumelos
que
germinam na humidade
dia e noite alteram-se em
nós
mas não sabemos como
nascem
poderemos
por uma só vez
pôr
o dedo
sobre
a verdadeira causa
como
poderemos
compreender
tudo
num único dia
parece que há uma alma
o principal para a sua
existência é querer
que opera é plausível
embora não possamos
ver-lhe a forma
deve ter
uma realidade interior
posso
senti-la
mas
não tem forma externa
considera o corpo humano
com as suas centenas de
ossos
as nove cavidades externas
e os seis órgãos internos
qual
destas partes preferes
não
gostas de todas equitativamente
ou
tens alguma preferência
será
que esses órgãos prestam
tarefas
de serviçais a mais alguém
desde que os servos não se
governam
servirão eles de senhores
e servos por turnos
é inegável que existe uma
alma para os controlar
tenhamos ou não firmado
a verdadeira natureza dessa
alma
isso é coisa que pouco
interessa à própria alma
uma vez tomando conta da
forma material
prossegue o seu curso até que
se esgote
consumir-se nos trabalhos
e nos pesares da vida
e ser arrastada sem
possibilidade de parar no caminho
não será ela digna de pena
trabalhar sem cessar a
vida toda
sem viver para colher os frutos
esgotada pelo labor
partir para não se sabe
onde
não será um motivo de
pesar
os
homens afirmam
que
não há morte
o
que é que isso lhes adianta
o corpo decompõe-se
e o espírito desaparece
com ele
não será isto motivo para
tristeza
será que o mundo é tão
estúpido
a ponto de o não compreender
ou serei eu somente o estúpido
e os outros não
se devemos deixar-nos guiar
pelos nossos preconceitos
e ideias
quem será que ficaria sem
um mestre
que necessidade haveria de
fazer comparações
sobre o que está certo e o
que está errado nos outros
e
se
alguém deve seguir o próprio julgamento
de
acordo com os seus preconceitos
saiba
que até os loucos os têm
mas produzir um julgamento
do que está certo e errado
sem primeiro ter uma opinião
é o mesmo que dizer
parti para yueh hoje e cheguei lá
ontem
ou
é
o mesmo
que
afirmar
que
algo
que
não existe
existe
a ilusão de afirmar algo
que não existe como existente
não pode ser conseguida nem
pelo teólogo yu
e nós muito menos o poderemos
penetrar
a palavra não é um simples
sopro de hálito
foi criada para dizer algo
apenas não se pode
determinar o que dizer
há na verdade palavra ou
não há
podemos ou não podemos
distingui-la
do chilreio dos filhotes
de pássaros
como
é que o tao
pode
ser tão obscuro
de
modo a necessitar
que
haja uma distinção
entre
o verdadeiro e o falso
como
pode a palavra
ser
tão obscura
de
modo a necessitar
que
haja uma distinção
entre
o que é certo
e
o que é errado
onde
poderemos ir
e pensar
que o tao não existe
onde poderemos ir
e pensar que as palavras
não podem ser ouvidas
o tao
não pode ser inteiramente apreendido
por
via da nossa compreensão inadequada
e
as palavras não se apresentam com perfeição
devido
às expressões retóricas floreadas
daí
que as afirmações e negações
das escolas de shih e fei
representem julgamentos
morais gerais
e distinções mentais
certo
e errado
verdadeiro
e falso
ser
e não ser
afirmativo
e
negativo
bem
como
fazer
justiça e condenar
afirmar
e negar
as escolas de confúcio e
de mo tse
cada qual negando o que a
outra afirma
e afirmando o que a outra
nega
cada qual afirmando o que
a outra nega
e negando o que a outra
afirma
só pode resultar em manifesta
confusão
o
melhor a fazer é olhar
para
além do certo e do errado
não há nada
que não seja isto
não há nada
que não seja aquilo
o que não pode ser visto
por aquilo
pode ser compreendido por
mim
só
se podem conhecer as coisas
através
do
conhecer-se a si mesmo
daí digo
isto emana
daquilo
aquilo também
deriva disto
esta é a doutrina
da interdependência
disto e daquilo
não obstante
a
vida resulta da morte
e
a morte resulta da vida
a possibilidade
decorre da impossibilidade
e a impossibilidade
decorre da possibilidade
a afirmação
baseia-se na negação
e a negação
baseia-se na afirmação
sendo
esse o caso
o
verdadeiro sábio
rejeita
todas as distinções
e refugia-se
na natureza
buscando
a iluminação
que
lhe vem do céu
precisamos entender
que mesmo que nos detenhamos
no isto
o
isto também é aquilo
e
o aquilo também é isto
isto
tem decerto os seus certos e errados
e aquilo
tal como o isto também os tem
existe realmente
ou não existe
a distinção
entre isto e aquilo
quando
o isto subjectivo
e
o aquilo objectivo
não
têm correspondentes
são
o verdadeiro eixo do tao
o
seu ponto de quietude
e quando esse eixo passa
através do centro
para o qual o infinito converge
as afirmações e as negações
confundem-se no infinito único
daí
se diz que não há nada
como
conservar a luz
para
além do certo e do errado
tomar um dedo
como prova de que um dedo
não é um dedo
não é melhor do que tomar uma
qualquer coisa
que não seja um dedo para
provar
que um dedo não é um dedo
tomar um cavalo
como prova de que um
cavalo não é um cavalo
não é melhor do que tomar
uma coisa qualquer
que não seja um cavalo para
demonstrar
que um cavalo não é um
cavalo
o
mesmo se dá com o universo
que
não é nem dedo nem cavalo
o possível é possível
e o impossível é
impossível
o céu e a terra são como
um dedo
as dez mil coisas são como
um cavalo
o tao trabalha e o
resultado obtido é o seguinte
as coisas recebem nomes
e afirmamos serem o
que são
por que são elas assim
porque se afirma serem
como são
por que não são de outro
modo
porque se afirma não serem
assim
as coisas são assim por si
mesmas
não existe nada
que não seja de certo modo
e não existe nada
que não possa ser de certo
modo
toma por exemplo uma
pessoa feia
e uma grande beleza
e tudo o que for estranho
e monstruoso
tudo
isso é igualado pelo tao
a divisão é o mesmo que
criação
a criação é o mesmo que
destruição
não
há uma criação ou uma destruição
porque
essas condições
são
irmanadas de novo numa única
todas
elas são uma no tao
só
os verdadeiros sábios
compreendem
o princípio de igualar
todas
as coisas numa única
descartam as distinções
refugiam-se nas coisas comuns e
ordinárias
as coisas comuns e
ordinárias
servem para certas funções
e portanto conservam
a integridade da natureza
partindo
dessa
integridade
uma
pessoa compreende
e da
compreensão
chega
ao tao
aí
pára
parar
sem saber
como pára
e se parou
eis o tao
mas cansar o intelecto
numa ligação obstinada
com a individualidade das
coisas
não reconhecer o facto de
que
todas as coisas são uma única
a isso chama-se três pela manhã
o
que é três pela manhã
um tratador de macacos
disse-lhes
que cada um devia comer
três nozes pela manhã e
quatro à noite
os macacos ficaram
furiosos
então o tratador resolveu
que poderiam comer
quatro nozes pela manhã e
três à noite
os macacos ficaram
satisfeitos
o número de nozes continuou
a ser o mesmo
porém havia uma diferença
devida à avaliação subjectiva
de gostos e aversões
isso também deriva disto
por via do princípio da
subjectividade
em
consequência o verdadeiro sábio
reúne
todas as coisas diferentes
e
descansa no natural equilíbrio do céu
a isto se chama o princípio
de seguir dois cursos
ou os dois lados de uma só
vez
o sábio
harmoniza
o
certo e o errado e repousa
no
equilíbrio da natureza
o conhecimento dos homens
antigos
tinha um limite
qual
era esse limite
remontava
a um período
em que a matéria
não existia
era esse ponto extremo
que o seu saber alcançava
o
segundo período
era
o da matéria
porém
da matéria
sem condição
ou período indefinido
onde não lhe era dado nome
a
terceira época
viu
a matéria
com
condição definida
no qual
ainda se desconhecia
o que foi depois julgado
verdadeiro
ou falso
o
certo ou errado
quando
o
verdadeiro e o falso
o
certo e o errado
apareceram
o tao
começou
a declinar
e
com
o declínio do tao
surgiu
o desejo
o fim
individual
além disso teria o tao
chegado ao apogeu e
declinado
***
o
verdadeiro sábio
foge
da luz que o deslumbra
refugia-se
no comum e no ordinário
por esse meio chega à
compreensão
suponhamos
que haja uma afirmativa
não
sabemos se pertence a uma categoria ou a outra
mas
se reunirmos as diferentes categorias numa única
então
as diferenças de categorias deixam de existir
devo explicar melhor
se
houver um começo
então
houve
uma época
antes
desse
começo
e
uma época
antes
da época
que
ficava
antes
da do começo
se
há uma existência
deve
ter havido
uma
não-existência
e
se houve um tempo
em
que nada existia
então
deve ter
havido
uma época
em
que nem mesmo
o
nada existiu
o
nada veio a existir
subitamente
alguém poderá dizer realmente
se pertence à categoria da existência
ou da não-existência
até mesmo das
palavras
que acabo de proferir
não posso dizer
se significam
ou não
alguma coisa
sob o pálio do céu
não há nada maior
do que o comprimento
da penugem
de um pássaro
no outono
enquanto
que
o monte tai é pequeno
tão-pouco
há vida mais longa
do que a da criança
ceifada pela morte
na sua infância
enquanto
o próprio
peng tsu
morreu jovem
o
universo e eu
viemos
à existência
juntos
eu
e tudo que existe
somos
uma
única coisa
se todas as coisas
são uma única
qual o lugar
para a palavra
por
outro lado
desde
que eu possa dizer
a
palavra única
como
pode a palavra não existir
se
existe mesmo
temos
a única
e a
palavra dois
e
dois e um três
daí
em diante até
os
melhores matemáticos
deixam
de alcançar o derradeiro
e será que as pessoas
comuns
falhariam
muito mais
se
de nada
se
pode chegar a alguma coisa
e
consequentemente a três
será
ainda mais fácil
se
se partir de algo
desde
que não
se
possa prosseguir
pára-se
aí
o tao
pela
sua natureza
jamais
pode
ser definido
a
palavra
pela
sua natureza
não
pode exprimir
o
absoluto
daí surgem as distinções
que são
direito e esquerdo
relacionamento e dever
discernimento e discriminação
competição e luta
são
as chamadas oito virtudes
além
dos limites do mundo externo
o sábio
reconhece que existe
mas
não fala sobre o assunto
dentro
dos limites do mundo externo
o sábio
fala
mas
não comenta
com respeito pela sapiência
dos antigos
integrada no livro da primavera
e do outono
que é a crónica dos
antigos reis
o sábio
comenta mas não interpreta
entre
as distinções feitas
existem
diversidades
que
não podem ser feitas
entre
as coisas interpretadas
existem
coisas
que
não podem ser decifradas
como pode ser pergunta-se
o
verdadeiro sábio
guarda
o conhecimento
para
si
os
homens em geral usam o seu
em
argumentos com o propósito
de
se convencerem uns aos outros
diz-se que aquele que
argumenta o faz
porque não pode ver certas
realidades
aqueles
que disputam não vêem
o tao perfeito
não pode receber um nome
um argumento perfeito
não emprega
palavras
quem
é que conhece o argumento
que
não pode ser alegado sem palavras
e
o tao que não se declara como tao
daquele que o sabe
pode afirmar-se
que entrará no reino espiritual
sendo preenchido sem ficar cheio
e despejado sem ficar vazio
sem saber como isso terá
sido feito
é a verdadeira arte de ocultar
a luz
***
o homem
perfeito
é
um ser espiritual
mesmo
que o oceano
ferva
sob o sol
ele
não se sente quente
mesmo
que os
grandes
rios congelem
não
sente frio
mesmo que as montanhas se
desagreguem
em consequência de raios
vindos do céu
e as suas profundezas
colossais se virem do avesso
como consequência de
terríveis tempestades
ele não tremerá de medo
subirá
acima das nuvens do céu
e
guiando o sol e a lua adiante
passará
para além dos limites da existência mundana
a
morte e a vida
não
lhe oferecem
mais
vitórias
a
vida
e
a morte
não
o afectam
será
que se pode
preocupar
com a distinção
entre ganho e perda
entre o bem e o mal
***
chu
chiao dirigiu-se
a chang
wu tse
do
seguinte modo
ouvi confúcio dizer
o
verdadeiro sábio
não
presta atenção
aos
negócios deste mundo
não procura o ganho
nem evita as perdas
nada pede
das mãos dos homens
não adere
às rígidas regras de conduta
algumas vezes
diz algo sem falar
outras fala
sem nada dizer
assim
paira para além dos limites
do
mundo dos homens
confúcio disse que
são fantasias vazias
mas para mim
são a personificação
do tao mais primoroso
qual
é a tua opinião
chang wu tse
respondeu
são factos que
deixarão perplexo
até o imperador amarelo
como o haveria de saber confúcio
além disso
tu és muito leviano
a tirar conclusões
quando vês o ovo de uma
galinha
esperas ouvir o galo
cantar
quando vês um arco
esperas ter um pombo
assado
dir-te-ei algumas palavras
como exemplo
e ouvi-las-ás do mesmo
modo
como é que o sábio se
senta entre o sol
e a lua e conserva nas
mãos o universo
reúne
tudo num todo harmonioso
rejeitando
a confusão disto e daquilo
título
e precedência
coisas que o homem vulgar
cultiva cuidadosamente
o sábio ignora-as totalmente
amalgamando as disparidades
de dez mil anos numa matéria pura
o próprio universo conserva
e mistura tudo do mesmo modo
como
sei que o amor à vida não é uma ilusão
como
sei que aquele que teme a morte
não
é uma criança que se perdeu no caminho
e
que não sabe como voltar para casa
a senhora li chi era filha
de um oficial de ai
quando o duque de chin
a quis tomar para si
pranteou até que
o corpete do seu vestido
ficou encharcado de lágrimas
quando chegou à habitação real
partilhou o sumptuoso
leito do duque
comeu finas iguarias
e lastimou-se de ter
chorado
como poderei saber que o
que morre
irá arrepender-se de se
ter apegado à vida anterior
como poderei saber que os
mortos
não ficarão espantados
caso alguma vez voltem à vida
os
que sonham com a festa
acordam
para os lamentos
e para
os pesares
os
que sonham com lamentos e pesares
acordam
para se reunirem
aos
que vão caçar
enquanto sonham não sabem
que estão a sonhar
alguns até farão
interpretações do sonho que estavam a ter
só
quando acordam
compreendem
que
tiveram um sonho
pouco a pouco
vamo-nos aproximando
do grande despertar
e verificamos que esta vida
foi realmente um grande sonho
os tolos pensam que estão
acordados
e ficam convencidos de que
tudo sabem
que espírito estreito têm
tu e confúcio são ambos sonhos
e eu que afirmo que vós sois sonhos
também eu não passarei de um sonho
é um paradoxo
amanhã um sábio
talvez se erga para o
explicar
mas esse amanhã
não virá senão depois
que se tenham passado
dez mil gerações
contudo
talvez o encontres ao
dobrar a esquina
supõe que discutimos
se tu levares a melhor
e eu não conseguir
argumentos
que batam os teus
és tu necessariamente quem
tem razão
e serei eu que estou
errado
ou se eu levar a melhor na
argumentação
sou eu necessariamente
quem tem razão
e serás tu que estás
errado
ou ambos teremos razão em
parte
e em parte estamos errados
ou ambos estamos
completamente certos
e completamente errados
tu
e eu não o podemos saber
e
portanto vivemos todos nas trevas
a quem chamaremos para juiz
nesta questão
se eu pedir a alguém
que tenha a tua opinião
ficará do teu lado
e será parcial
que adiantará um tal juiz
entre nós
se eu pedir a opinião de alguém
que tenha o meu ponto de vista
ficará do meu lado e será parcial
de que nos adiantará um
tal juiz
se eu nomear alguém
cuja opinião seja diferente das nossas
ficará em situação de não poder
decidir
já
que difere de ambos
e se eu nomear alguém
que concorde com os dois
também ficará em situação
de não poder decidir
já que concorda com ambos
se
tu e eu e os outros homens
não
podemos decidir
como
podemos depender um do outro
as
palavras dos argumentos
são
todas relativas
se
queremos alcançar o absoluto
necessitamos
de os harmonizar
por
intermédio da unidade de deus
e seguir
a sua evolução natural
de
modo a que possamos completar
a
duração de vida que nos foi concedida
mas qual é a harmonia
por meio da unidade de deus
é isto
o
certo pode não ser realmente certo
o
que parece pode realmente não o ser
esquece
o tempo
e
a distinção
o
certo e o errado
goza
o infinito
repousa
nele
***
as
trevas disseram à sombra
tu agora estás em
movimento
daqui a pouco ficas parada
ora te sentas para daqui a
pouco te levantares
porquê toda essa indecisão
a sombra respondeu
talvez
eu dependa de algo
que
me faça fazer o que faço
e
talvez essa coisa dependa
por
sua vez de outra
que
a obriga a fazer
o
que faz
ou talvez a minha
dependência
seja como um movimento
inconsciente
como
posso dizer porque faço uma coisa
ou
porque não faço outra
***
certa
vez
eu
chuang
tse
sonhei
que
era
uma borboleta
esvoaçando
alegremente
daqui
para ali
e
dali para aqui
usufruindo
a vida
sem
saber
quem
realmente era
de
repente acordei
e
ali estava eu
eu
mesmo
chuang
tse
sonhou
chuang tse que era uma borboleta
ou
foi a borboleta que sonhou ser chuang tse
deve
haver alguma diferença
entre
chuang tse e a borboleta
este
é
um
acontecimento de transmutação
de
coisas materiais
***
***
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